de Cao Hamburger

"O Ano", diferentemente de outras produções sobre a ditadura no Brasil, como "Cabra Cega", "O que é Isso Companheiro?" e "Quase Dois Irmãos", é despretensioso. Não tasca na cara do espectador o discurso panfletário. Não quer rediscutir o trauma daquele passado delicado. E por isso mesmo, "O Ano" é um filme inquieto e provocativo. Atrai menos pelas rajadas de fuzis e raiva da militância de esquerda, e mais pelo olhar de Mauro, que flerta entre a solidão e a descoberta do desejo.
Antes que alguém grite lá do fundo da sala, "O Ano" não é um filme para criança. É sobre crianças. É sobre as descobertas de um garoto e como elas se equivalem para os outros personagens do filme, e por conseqüência, aos espectadores. Aliás, que roteiro bem amarradinho escrito por vários colaboradores, entre eles, a valorosa contribuição de Bráulio Mantovani (Cidade de Deus). Descobrimos junto com Mauro, que há mais gente engajada na resistência aos militares do que se imaginava. Mauro nos empresta seus olhos ainda para desvendarmos a cultura judaica, herança do avô (Paulo Autran).
Mesmo com tantas entrelinhas e sub-textos, em nenhum momento o filme desanda. A excelente reconstituição, desde pequenos objetos de cena, bem como automóveis, roupas e moradias, sustentam a verdade dessa história de mentirinha. Como está dito lá em cima, não espere um tratado recheado de citações intelectualóides. Não espere também ver o Zé Dirceu pegando em armas. "O Ano" é um filme para ver comendo pipoca. E mais, para ver Mauro descobrir como a vida pulsa além da janela do Fusca azul.
* Texto publicado na revista Almanaque em março de 2007.