Voltando. Tem uma leva de gente desinteressante - inclusive em Caxias, lógico, cidade onde tudo nasce -, que insiste vender seu passe pra qualquer posição. É como se o talento pra fazer origami fosse similar ao de rachar lenha. Parece invenção, mas não é. Sério. Pode sair por aí e comprovar. Qualquer lugar serve. Até no Parque dos Macaquinhos onde sazonalmente ocorrem shows, numa rara demonstração de risos e aplausos. E olha que na hora da comédia, no último domingo, o parque tava vazio.
Esse desejo descabido de fazer tudo a qualquer preço é pior do que anúncio de classificados. Nunca se sabe se aquele tão desejado carro, com todos os itens de série, único dono, teto solar e o escambau, não tava submerso no Rio das Antas. E pior, se foi reconstruído com peças encontradas no ferro velho, e não, originais de fábrica. É como diz minha vó: "vendem gato por lebre". O problema, vó, não é o coitado do gato ridicularizado, mas o safado do cara que fantasiou o felino como uma lebre, enfiando chumaço de algodão nas orelhas e...deixa pra lá.
É como aquela padeira, que sabe como poucos vender o melhor pãozinho, quentinho, saboroso, que derrete a manteiga e faz qualquer um babar de gula. Pede pra ela reger um concerto de uma orquestra com mais de 100 músicos cujo repertório contempla toda a obra dodecafônica do austríaco Arnold Schoenberg. Não sabe o que é dodecafonia? Lembra das três notas do punk, que era só um subterfúgio pra virar o mundo de ponta-cabeça? Pois bem, a dodecafonia também queria subverter a ordem, mas ao invés de fixar-se em apenas três notas, Schoenberg desenvolveu séries preestabelecidas de 12 sons diferentes e independentes entre si.
Coisa de loco, né? Mas lá no fundo tem um sentido, mesmo que nas entrelinhas. Pronto, expliquei a piada. Não devia, mas contei. É que eu não descanso. Sei que nada adianta expor os velhos problemas que se arrastam desde quando o primeiro índio que morava por aqui viu sua arte boiando no mar de ignorância. Porque, já que o índio, do alto da sua sensibilidade não percebia que poderia ganhar uns trocados com os potes de barro que produzia, apareceu o astuto colonizador e disse: "eu faço". E desde então, os vasos, roubados, são vendidos como obras preciosas, cujo valor transcende o limite do cartão de crédito.
crônica desta quarta-feira no Pioneiro.