Ontem ainda cedo, saindo de casa fui atropelado e lançado do outro lado da calçada. Ainda zureta da porrada na orelha levantei e sacudi a poeira. Não contente, o motorista tascou spray de pimenta nos meus olhos. Óbvio, caí de maduro. É sério, vó, não faz essa cara de desconfiada. Durante um tempo não vi nada, só ouvi. Entre sirenes, tinha gente paranóica gritando: "Mata esse safado, deve ser ladrão"; outros complacentes, balbuciavam: "Ajuda o menino, chama a ambulância". E veio, zunindo.
Não me perguntaram nada. Arregaçaram a manga da minha camisa de flanela florida e cravaram a agulha na primeira veia que encontraram. Adormeci. Fui acordado com um tapa carinhoso que quase me derrubou da maca. A enfermeira, ranzinza, olhos esbugalhados e fumando, resmungou: "Te arranca, guri". Saí de mansinho e mancando.
Já passava das 16h. Morrendo de fome resolvi entrar na primeira biboca que apareceu. Bar do Lorival. Ambiente requintado, prato-feito por seis pila e compacto de Flamengo e Vasco na tevê. "Vai beber o que, patrão?". Qual é a ceva mais barata?, retruquei. "Só tenho das mais barata". Então, escolhe a mais gelada. Conversa vai, conversa vem. Acabei me estendendo. Saí do recinto depois da novela das nove.
Atravessando a Praça Dante Alighieri, presenciei a cena lírica e louca. Lembra da musa Anita Ekberg banhando-se na Fontana di Trevi, no filme La Dolce Vita, de Fellini? Pois bem. Troque os personagens e o cenário. No lugar da Anita coloque uma velha caquética rolando dentro do chafariz da Praça Dante. E o pior, assim que me viu, a coroca gritou: "Vem Mugnolini, vem".
E fui pra casa correndo rever Anita.
Conto de hoje publicado no jornal Pioneiro.