quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Sermão do pai

Nunca escrevi uma ópera. Prefiro o drama que aparece em um gesto contido, quase sussurro. Aquele segundo antes da lágrima é mais importante do que o choro descabido. Na ficção vale quase tudo, e por isso a gente precisa aturar essa penca de histórias mal contadas na televisão, teatro e cinema, que juntas não dão caldo nem pro agnolini. Até aí tudo bem, porque a ficção é a mentirinha que buscou na realidade a inspiração. Mas no fundo não é verdade, é recriação.

Mas o pior mesmo é o que aparece travestido. É o que parece, mas não é beeeem assim. Por exemplo, tem gente (diretor de cinema, padeiro, encanador, advogado ou jornalista) que adora enfatizar a lágrima, só ela. Como se nem a pessoa mais existisse ali. Só a lágrima que escorre de um rosto qualquer. Se a lágrima veio de forma natural, se trouxe até alívio, que mal tem?

Só que esse tipo de gente que precisa explorar a lágrima de um sofrido qualquer deveria ser punido com o silêncio. A dor não existe para ser usurpada e controlada com maniqueísmo. A imagem da morte, e que deve perdurar, não é a do caixão aberto, dos olhos estalados, da face branca, e tudo emoldurado pelo sensacionalismo. A imagem da morte é o abraço apertado de quem fica. Isso sem falar do arranjo de lírio, flor do amor puro, que por si só diz tudo sem exagero, sem maneirismo.

É mais do que um ponto de vista, é questão de princípio. Tem a ver com o sermão do pai. Até porque ética e moral se aprende em casa. E não vem com a desculpa de que em casa humilde não tem lei. Respeito independe de condição social, é só procurar. Acha que não? Então me explica por que tem gente estudada, que fez faculdade, e vive de explorar a tristeza alheia?

Se essas pessoas que amam recontar histórias sob o prisma sensacionalista, passassem o mesmo tempo a procura da poesia ideal, que transcende a banalidade, talvez, talvez elas compreendessem a dor. Ou no mínimo, respeitariam aquele olhar desvairado, às vezes com ira, às vezes dopado de tristeza. E soubessem tirar daquela angústia um sopro de lucidez. Porque nessas horas o que menos interessa é qual orelha foi decepada.

Importa o que está por vir. Olhos no futuro, sempre. Não importa como, se agarrado a mão de Deus ou simplesmente dizendo "eu te amo" a quem realmente merece. Mas que coisa mais boboca dizer uma coisa dessas no jornal, TV, internet ou escambau. Onde já se viu fazer um documentário com gente comum que passa a vida fazendo poesia, mesmo sem escrever um verso sequer? Ainda mais numa época dessas que tem gente matando por um real. Questão de princípio, né, pai?