sexta-feira, 6 de julho de 2007

foto EFE


Woody Allen passa o tempo tocando jazz enquanto não volta a filmar com a a loirinha Scarlett Johansson. O novo endereço de Allen é no Café Vienês, do Hotel Casa Fuster, em Barcelona. Na próxima segunda, as filmagens do seu próximo longa iniciam, e quem sabe ele venha passar mais tempo com Scarlett do que com sua bandinha, a Eddy Davis New Orleans Jazz Band.

Sobre o filme: a produção será uma "una carta de amor a Barcelona", e vai girar em torno das férias de uma turista norte-americana (Scarlett Johansson) nesta cidade catalã e as relações que estabelece com alguns de seus habitantes, especialmente com um homem cujo papel será de Javier Bardem. O filme terá ainda Penelope Cruz no elenco.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

ainda cineesquemanovo

Filme de boteco

Grande parte da graça em assistir a um filme estranho com gente esquisita são os comentários na saída da sala de cinema. Depois da exibição de Conceição, autor bom é autor morto, último concorrente da competição de longas-metragens do CineEsquemaNovo, o mais comum era ouvir: "ah, um filme assim eu também faria". Ou ainda, "nossa, véio...nonsense demais". E pra mim o melhor comentário: "tá aí um novo gênero: filme de boteco".

Gostei: "filme de boteco". Porque na verdade, a enxurrada de tramas paralelas decorre de uma conversa banal de um grupo de amigos reunidos em um bar e bebendo a cerveja Conceição. Papo vem, papo vai e cada um à mesa cita como deveria ser o seu filme. Só o simples fato de serem lançadas idéias sem o mínimo pudor nos remete a velha frase do Glauber Rocha: "Uma idéia na cabeça e uma câmera na mão". Mas não é tão simplista assim. Nem era só isso o cinema do Glauber, nem só isso o filme de uma verdadeira ação entre amigos, que reúne os diretores Daniel Caetano, André Sampaio, Guilherme Sarmiento, Samantha Ribeiro e Cyntia Sims, na concepção de Conceição, autor bom é autor morto.

Também não é só um filme dentro de um outro filme. Aliás, são vários trechos do que viriam a ser filmes inteiros, se realizados em separado. Mas toda essa desconstrução narrativa, essa não-linearidade, essa quase esquizofrênica verborragia dos autores sentados à mesa e bebendo cerveja poderia ser só um emaranhado de situações desconexas. Mas não é. Tem ali o esmero de um roteiro que tece amarras consistentes entre tantas situações diferentes e personagens que a princípio pouco ou nada têm a ver um com o outro. Mas há uma pergunta corrente ao longo de todo o filme que une essas idéias, a princípio descabidas, e as dá sentido: "Se você fizesse um filme, como ele seria?".

É a responsabilidade pela obra dividida não só entre os amigos do boteco, mas, sobretudo, com o espectador. E já que o negócio era mesmo romper com a lógica de homogeneidade na narrativa, foram inseridas personagens da vida real, pessoas comuns que deram vazão à sua criatividade e disseram como seriam seus filmes. Essas cenas foram filmadas em preto e branco para contrastar de cara com a estética da parte ficcional de Conceição. Menos uma delas, a de uma banda de chorinho e samba que acaba sendo incorporada à trama.

Outro momento de subversão ocorre quando uma das autoras-atriz desliga a luz. Cinema sem luz é a morte do cinema. Não é. E de certa forma, logo de cara esse breu lembra o apagão de Velinhas, curta-metragem de Gustavo Spolidoro. Mas diferentemente de Velinhas, em que após o apagão os personagens acendem velas para iluminar o ambiente, em Conceição, a luminosidade vem de um cigarro de maconha. A cada nova tragada se acende uma luz em tom vermelho-alaranjado, que dá conta de não apenas sugerir o calor do cigarrinho em brasa, mas acaba iluminando o rosto dos personagens-autores.

O contraponto dessa discussão em torno da importância da imagem decorre em cenas plasticamente bem construídas, como nos tantos planos no cemitério, não só da perseguição ao fugitivo, mas também da personagem sem nome e reconhecível como mulher nua que é vista com um longo véu preto participando de um funeral. O fugitivo é um dos personagens centrais. Primeiro, porque é quem une, mesmo que de formas não-convencionais, as demais tramas. E segundo, porque ele se revolta contra o autor, que lhe atribui tão somente a sina de fugir. E não faz nada mesmo além de fugir. Porque na hora de dar cabo aos autores, entra em cena o homem da capa preta, interpretado pelo músico marginal Jards Macalé.

A essa diversidade poderia se classificar como a falta de estilo. Ou ainda, como o filme nos permite interpretar a partir do título: a morte do autor. Pode "morrer" a figura que assume a autoria de uma obra (e não é o caso de Conceição), mas sempre haverá um autor. Mesmo que essa atribuição seja dividida entre uma ação entre amigos como essa, ou ainda seja feita a partir de pesquisa pelo Ibope. São autores os responsáveis por dar sentido a um punhado de idéias. Em Conceição o sentido é deturpar a regra, mas sem com isso, perder-se na confusão dos desejos dos personagens (da vida real ou fictícia).


Filme da mostra de longas-metragens do CineEsquemaNovo. Escolhido como melhor filme pelo júri popular.

A falta que ama

O amor no filme O Nascimento do Amor, de Philippe Garrel, é a expressão da dor. Em nada lembra o cheiro da felicidade. Porque Garrel não fez um filme sobre o amor. Fez um filme sobre a falta que ama. Sobre o vazio. Sobre a solidão. Os personagens não só fingem que amam, mas também confundem o amor com a necessidade de amar.

O olhar da câmera conduz o espectador pela vida dos amigos Marcus (Jean-Pierre Léaud) e Paul (Lou Castel). Marcus é casado com Hélène (Dominique Reymond) e Fauchon (Marie-Paule Laval) com Paul. Há uma cena logo no início do filme que revela o tom da história. Marcus pergunta a esposa se ela o ama. Ela diz que sim, mas a expressão de Hélène não condiz com sua resposta. A revelação da mentira vem logo a seguir, quando ela se aproxima dele, e o beija na testa. Paul recebe tão somente um beijo fraterno, quando na verdade, queria um beijo que lhe queimasse os lábios.
Aparentemente, o filme não tem uma história, não cria uma rede de intrigas, não há suspeitos de um crime perfeito. Aparentemente parece ser mais um filme banal, sobre a busca banal por amor. Mas é justamente nessa aparente banalidade que Philippe Garrel nos toma pela mão e conduz filme adentro. Ao assistir o filme temos a sensação de estarmos conduzindo a câmera. Por isso os movimentos mais lentos, a hora e a vez de cada um dos personagens ter o seu close para dizer o que tem de ser dito, nem que seja em silêncio.
Porque o silêncio é tão importante nessa trama quanto os diálogos. Aliás, tão ou mais importante que a verborragia. Porque na grande parte do filme os personagens confundem-se nos próprios desejos. Por isso o tempo de cada plano não se encerra quando termina o que dizer. Porque sempre há mais a dizer, mesmo em silêncio. Mesmo quando o personagem sai da cena. E é nesses pontos que reforço, a câmera parece ser conduzida pelo espectador, porque queremos ver nascer esse amor, nem que seja por meio de um desencontro.
A trama centraliza-se em grande parte na solitude de Paul. Ele tem esposa, um filho e uma filha recém nascida. Mas Paul não se reconhece como um pai de família. Pior, não se reconhece no amor pela mulher, nem pelo filho. Segura no colo a menina recém nascida, mas nem isso lhe conforta. Os gritos de histeria não são porque a pobre menina demora três horas para cair no sono. Paul grita pela falta que ama. Grita pelo vazio. Grita porque a solidão dói.
Paul não ama a mulher, mas diz amar Ulrika (Johanna ter Steege), a amante. Só que esse sentimento voraz por Ulrika é só um despiste. Na verdade ele se entrega a esse amor bandido porque sabe que vai terminar logo. E termina, porque Ulrika não o ama. Num jantar na casa de amigos isso fica bem claro. Paul pega na mão de Ulrika por debaixo da mesa. Ela se entrega a esse toque sedicioso. No dia seguinte, ambos no carro, Paul repete o gesto. Mas Ulrika não quer esse carinho. Nos dois momentos são planos detalhes sutis que revelam que relação é essa entre Paul e Ulrika.
A sutileza é o grande encanto de O Nascimento do Amor. E é um filme tão bem costurado porque não são apenas os movimentos de câmera ou os planos demorados e fechados, como se quisessem entrar na mente dos personagens, que esmiúçam a trama. A música tem um papel fundamental. Esse piano ora doce, ora amargo, reflete esse desejo desesperado e inquieto pelo nascimento do amor. O piano revela a pulsação do coração. Notas duras e com muitas pausas, revelam a dor. Já as notas doces, a melodia envolvente, em um andamento mais acelerado, revelam a excitação.

Essa excitação Paul experimenta pela última vez na trama quando conhece uma jovem que diz ser sua fã. Logo se percebe que Paul vai aproveitar desse acaso para experimentar mais uma vez da porção do amor. Mas no caso de Paul, não é amor. E talvez nunca será. Porque Paul quer essa jovem na cama. Quer sexo. Sem compromisso, é claro. Porque Paul é sacana. Prefere seguir com seu jogo de sedução, ao invés de resolver a sua vida. Prefere as coxas quentes da menina, ao invés de enfrentar a responsabilidade de pai.
Paul tenta justificar essa irresponsabilidade contando a Marcus que o seu pai também saiu de casa quando ele ainda era pequeno. E esse é só mais um dos vazios. É só mais uma falta que ama. Porque a vida segue. E todas as irresoluções na vida de Paul e Marcus precisarão um dia ser resolvidas. Porque em algum momento, quando menos se esperar, alguém vai fitar teu olhar e perguntar: "Você me ama?". Pode ser assim, de um jeito aparentemente banal que o amor venha enfim a nascer. E talvez Paul não esteja preparado.
O Nascimento do Amor foi exibido na oficina de crítica cinematográfica, no CineEsquemaNovo - Festival de Cinema de Porto Alegre.