O Baixio das Bestas, que estréia amanhã (1º de setembro) na Sala de Cinema Ulysses Geremia, é a síntese do mundo cão. Revela com ira e lirismo a vida das pessoas de um vilarejo cravado no desterro do esquecimento. Há quem lute para para não ver as atrocidades que lá ocorrem, e quem sustente a moral de cuecas. E tudo pensado, arquitetado e com o rigor técnico de um dos cineastas mais interessantes da sua geração, o pernambucano Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga (2002).
O filme abre com cenas do filme Menino de Engenho (1965), de Walter Lima Jr., pontuadas pelas frases: "Há quem diga que o tempo vence no fim. Um dia ele engole a usina, como engole a ti e a mim". É o preâmbulo para Cláudio Assis enfiar seu dedo embebecido de merthiolate em cada uma das feridas ainda abertas. O filme relaciona a vida das mulheres do lugar, que sofrem todo o tipo de agressões, com a não menos desgraçada vida dos bóias frias que trabalham na colheita da cana.
Nesse cenário se passa a história de Auxiliadora (Mariah Teixeira), Seu Heitor (Fernando Teixeira) e Cícero (Caio Blat). Ela, uma menina de 13 anos explorada pelo avô, Seu Heitor, um moralista ambíguo, que em tudo vê falta de autoridade mas ganha dinheiro explorando sua neta. Por sua vez, Cícero, um jovem de uma conhecida família local, assiste ao drama de Auxiliadora e acaba seduzido por ela.
Preste atenção nas situações extremas. Os amigos Cícero e Everaldo (Matheus Nachtergaele), por exemplo, passam os dias digavando entre as ruínas de um velho cinema (onde tudo pode), o puteiro da vila (que disputa sediciosa entre Hermila Guedes e Dira Paes), e o banho de cachoeira. Assis conduz a amizade dos dois entre a porrada na mulherada e a sensibilidade de um carinho que nos leva a duvidar da macheza de Cícero e Everaldo.
Não procure o redentor nessa história, porque, como naquela canção de Assis Valente que versa sobre o Papai Noel, "com certeza já morreu / Ou então felicidade / É brinquedo que não tem".