Seu Ivo carrega a simplicidade até no nome. Batizado como Ivo Chies, esse senhor de 82 anos, nascido em Montenegro, é uma das pessoas mais conhecidas de Areias Brancas. Seu Ivo já foi até presidente da Sociedade Amigos de Areias Brancas (SAAB). Na sua gestão, jogar bingo virou a mania da praia. Pela família é conhecido como o tio querido e simpático. Mas se for preciso Seu Ivo bate na mesa e silencia a histeria. É fiel aos princípios, herança de uma educação rígida e disciplinada, mas nem por isso resiste aos avanços da tecnologia.
Admire-se. Seu Ivo tem celular, e-mail e messenger. Comunica-se através do skype e da webcam com a neta Ana Leonor, que mora na Holanda. Não foi fácil, reconhece, mas nada que umas aulas particulares não compensassem a falta de destreza no manuseio do computador. Até o blog de um sobrinho ele anda lendo. Esse é o Seu Ivo, carrega a juventude sob os ombros de um senhor irrequieto, amável e brincalhão. Ultimamente anda sentindo uma dorzinha chata numa das pernas, mas nada que uma caminhada até a beira do mar ou uma prosa com os vizinhos não resolva.
Sua memória guarda lembranças tão fortes das diversas fases da sua vida que às vezes se tem a impressão de quem ele inventa tudo. Mas é impossível ter inventado todas essas histórias, porque a riqueza de detalhes nos lança para dentro do seu baú de memórias. Ouvi-lo é como percorrer a cena de um filme sem ser reconhecido pela platéia. Quando fala da primeira viagem ao Litoral, em 1952, parece que estamos sentados ao seu lado, no velho ônibus que partiu de Caxias do Sul, parou em Porto Alegre, “ali na Paineira”, e depois seguiu seu rumo em direção a Torres “pela beira do mar”. “O ônibus esperava a onda e depois seguia viagem”, recorda.
Aventura – Ir à praia entre os anos 50 e 70 era como desbravar o desconhecido. Os corajosos tinham de enfrentar a má condição das estradas, o barro ou poeira (dependendo se tinha chovido ou não), a falta de sinalização, as crianças ansiosas dentro do carro, a bagagem que se perdia no caminho (conforme o solavanco), e claro, o inevitável atoleiro. Tudo isso, para chegar às praias do Litoral Norte, e encontrar o que? Nada, absolutamente nada além de areia, mar e calmaria.
“Aqui em Areias Brancas só tinha o armazém do Fulcher e o Hotel Peteffi. O Fulcher tinha o armazém, mas era ainda barbeiro, farmacêutico, parteiro, e construiu a casa do meu pai aqui na praia. A gente chamava ele de João Faz Tudo. Porque não tinha coisa que ele não fizesse”, revela Ivo, sorrindo. A casa a que Seu Ivo se refere foi uma das primeiras construções de alvenaria de Areias Brancas e ainda está de pé. “Eu e meus irmãos usávamos a casa por apenas 20 dias cada um”, lembra.
Crescimento – Seu Ivo conta que no início dos anos 70, quando a casa do pai ficou pronta, dava para ver o mar ao abrir a porta. Hoje não mais, porque o descampado de ontem agora é ocupado por dezenas e dezenas de casas. “Não é de hoje que essa praia cresceu. Anos antes de a Rota do Sol ficar pronta, quando o governo do estado passou a dar mais atenção à rodovia, o preço dos terrenos aqui em Areias Brancas subiu. Passou de R$ 20 mil para R$ 50 mil”, explica.
O aumento dos terrenos acompanhava uma outra tendência, de um crescente aumento do número de freqüentadores das praias de Arroio do Sal e Areias Brancas. No entanto, esse crescimento ainda não foi suficiente para resolver questões como a limpeza e iluminação das ruas, ou ainda, a ampliação do horário de atendimento dos restaurantes e supermercados.
Emoção – Seu Ivo não percorreu ainda a Rota do Sol depois de concluída. Mas não esconde a curiosidade, parece só esperar pelo convite de alguém que o conduza estrada adentro. Porque uma vez estradeiro, estradeiro para sempre. Seu Ivo já morou em Caxias, Novo Hamburgo, Porto Alegre e Pelotas. Naquela época, não se incomodava em ter de pegar a estrada saindo de Porto Alegre rumo ao sul do estado.
Mas quando perguntado se repetiria a dose daquela época de desbravador, em que precisava enfrentar com uma boa dose de coragem as intempéries de uma viagem ao litoral, Seu Ivo responde: “Hoje eu não faria isso. De jeito nenhum. Mas naquele tempo a gente fazia tudo aquilo pra vir a praia e se divertia”, conta, com um sorriso encantador e os olhos marejados de lágrima.
quarta-feira, 29 de julho de 2009
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