quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

desassossego

"Na tarde em que escrevo, o dia de chuva parou. Uma alegria do ar é fresca demais contra a pele. O dia vai acabando não em cinzento, mas em azul-pálido. Um azul vago reflete-se, mesmo, nas pedras das ruas. Dói viver, mas é de longe. Sentir não importa. Acende-se uma ou outra monta. Em uma outra janela alta há gente que vê acabarem o trabalho. O mendigo que roça por mim pasmaria, se me conhecesse.

No azul menos pálido e menos azul, que se espelha nos prédios, entardece um pouco mais a hora indefinida".


Bernardes Soares (heteronômio de Fernando Pessoa), em Livro do desassossego