Há muito tempo um filme deixou de ser só um filme. Explico: parece que o interesse é menor pelo que se vê através da tela do cinema ou mesmo pela telinha do computador, e se torna mais relevante a muvuca em torno da obra. Ou vai dizer que "Je Vous Salue Marie" (1985), do francês Jean-Luc Godard, se tornou célebre pela narrativa cinematográfica e não pela polêmica de ter sido vetado pelo Vaticano? Ou ainda o marketing do Manifesto Dogma 95, dos jovens realizadores dinamarqueses que impunham uma série de mandamentos para suas produções.
E quer saber, isso não é de todo ruim, o problema é esquecer que lá no fundo todo filme é uma pretensa obra de arte e assim sendo, precisa ser dissecado. "3 Efes", de Carlos Gerbase entra nessa corrente. É um dos primeiros filmes a ser lançado em diferentes mídias ao mesmo tempo: televisão, salas de cinema digital, DVD e internet. Felizmente, Gerbase, que é inegavelmente um dos realizadores mais importantes do estado, e ainda não tem boa repercussão no Brasil, seja do público ou crítica, meteu o dedo na ferida e diz que faz cinema, seja ele captado pela bitola que for, super-8, 16mm, 35mm, digital, ou o escambau.
"3 Efes" conta a história de uma série de personagens, interligados pela teoria do professor Valadares. Para ele, a humanidade depende de três apetites: fome, fasma e foda. Fome e foda não precisam de explicação. Mas fasma, pra quem não sabe, é o apetite de imitar a vida, assim como ocorre nos sonhos, pesadelos, fantasias, e claro, nos filmes. Revendo a filmografia de Gerbase, 3 Efes parece ter sido gestado como uma seqüência natural aos curtas-metragens "Deus ex-Machina" (1995) e "Sexo & Beethoven" (1997). No entanto, entre os curtas e "3 Efes" vieram os longas "Tolerância" e "Sal de Prata".
Nem "Tolerância" (2000), nem "Sal de Prata" (2005) tiveram a recepção idealizada. Não abarrotaram salas de cinema, não causaram frisson da crítica. Mas "3 Efes" é diferente, já nasce despido de toda pompa. Nasce mais como desejo de um cineasta que precisa fasmar como louco, sem se preocupar com o dia seguinte, com a bilheteria, com as péssimas críticas nos jornais. '3 Efes" não é uma obra-prima. Gerbase não ficará eternamente conhecido pela jogo de cena, nem pela estética, tão pouco pela harmonia do conjunto de atores.
Só que "3 Efes" é a justa medida do cineasta que revê sua obra e parece ter reencontrado o caminho que sempre perseguiu e lhe deu prazer. Não é só porque o filme fala e mostra sexo, a tal foda dos 3 efes, nem porque expõe os casais da história aos defeitos e contradições que em última instância refletem as vidas de todos nós, pobres mortais. "3 Efes" é coerente com Gerbase, porque revela a sua maneira de perseguir a vida dentro do cinema: arriscando, experimentando. Com simplicidade, sem perder de vista as viagens pretenso-filosóficas, e lirismo, temperado com boas doses de sarcasmo para não virar piegas.
Aqueles três acordes da vida como Replicante mostram-se imprescindíveis nessa retomada de Gerbase. Mesmo que pareça tão delirante quanto aquele refrão: "Os cegos também vão ao cinema", do LP "Andróides Sonham com Guitarras Elétricas", do tempo em que Gerbase virou vocalista dos Replicantes. Com 3 acordes ou 3 efes, Gerbase parece sedento por um mosh, louco para voar de braços abertos para a platéia. Estejam os espectadores abertos ou não ao seu irrequieto e incansável desejo de fasmar. Enfim, mais um filme punk do Gerbase.
Casa de Cinema, comédia dramática, 100min, 2007.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
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