Para ler ouvindo Cocoon,
do CD Vespertine,
da Björk
Silêncio. A casa velha de madeira cravada no meio do nada amanhece mais uma vez. O sol lava as paredes umedecidas de orvalho. Como uma criança, Genaro desperta. No quarto não há quase nada - como nunca houve quase ninguém na sua vida. Uma cama, um armário sem portas e um livro jogado no chão, sem capa.
Genaro arrasta os pés pela casa. O assoalho rangendo acorda os gatos. Todos albinos e mal acostumados. Só bebem leite sentados à mesa. Gostam de leite ainda cedinho da manhã e ao entardecer.
Música à tarde, quando assistem ao coro das meninas cantando e correndo pelo pátio. Genaro prefere o canto triste e sussurrado de Marina. A menina de olhos cor de mel e cabelos negros e encaracolados passa as tardes andando de balanço e cantando sozinha.
A melodia impiedosa atravessa a sola dos pés sem pedir licença. E não adianta lamber o freezer da geladeira, nem coçar a frieira com o garfo. Não é simples assim para acabar com a agonia. Não encerra com veneno. Porque nada mata a lesma para sempre. Quando você menos esperar terá uma à sua espera embaixo do travesseiro. É só uma questão de tempo.
Genaro sonha acordado. Relembra do quase amor, mas logo a cena desaparece. Vem com força o tapa na cara. E o não. Pior que desamor. Abandono. Laura sumiu. Deixou as chagas e o desencanto. Genaro virou um velho moribundo desde os 20 e poucos anos.
- E o senhor nunca foi atrás dela?
Genaro esquiva-se e sorri. Sentado na escadaria da velha casa de madeira, roça o pé no assoalho riscado, suspira e seca algumas lágrimas com a manga da camisa. Apóia-se nos joelhos e levanta. Bate as botas cheias de barro e, antes de entrar em casa, fita Marina.
Mesmo infeliz e definhando busca no canto da menina o último resquício de vida. Genaro sabe que Laura voltará. Mas só depois da remoída ida. Só voltará para cravar as flores de lírios na terra seca.
Conto publicado nesta quarta-feira no Pioneiro.
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