Os primeiros raios de sol atravessam o nevoeiro. O velho nem se importa. Olhar cravado no horizonte e arrastando a perna esquerda, segue a lugar nenhum. Aquela tosse seca parece antever o inesperado encontro. Antes do catarro esparramar-se no chão uma manada de búfalos irrompe a neblina. O velho não se intimida e, de braços bem abertos, dá as boas-vindas.
Fade.
O velho abre os olhos. O corpo dói, talvez tenha fraturado a perna boa, ou cortado a face, ainda não sabe. Só não entende esse bando de anões ao seu redor. Cada um lambe uma das feridas espalhadas pelo corpo. A saliva que corre alimenta a terra seca. Aos poucos brotam pequenos ramos verdes. Dissipa o nevoeiro. Os ramos crescem rapidamente. O sol forte a pino queima o corpo desnudo do velho.
O ritual se encerra com um canto coral. Senhoras albinas vestidas com mantos pretos, segurando cajados, entoam uma música estranha. Sons repetidos como um mantra se misturam ao choque dos cajados em uníssono. Enquanto ressoa a trigésima versão da mesma canção, uma das senhoras albinas tira o manto preto e o coloca sobre o velho deitado na terra seca. O canto cessa.
Fade.
Num descampado verde, quase sem árvores, um velho mira sua espingarda. Olhar cravado no horizonte, à espera. Através da mira, vislumbra um búfalo. Estranhamente tudo parece tão lento. O búfalo cresce na mira. O velho acomoda o dedo no gatilho. Um tiro só, e basta. Certeiro, o bicho tomba, e ao seu redor a terra seca. O velho tira um maço de cigarro amassado do bolso e traga com prazer. O búfalo vê o velho de canto de olho. E bufa.
Fim.
Crônica de hoje, publicada na página 42, do jornal Pioneiro.
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