segunda-feira, 2 de julho de 2007


A falta que ama

O amor no filme O Nascimento do Amor, de Philippe Garrel, é a expressão da dor. Em nada lembra o cheiro da felicidade. Porque Garrel não fez um filme sobre o amor. Fez um filme sobre a falta que ama. Sobre o vazio. Sobre a solidão. Os personagens não só fingem que amam, mas também confundem o amor com a necessidade de amar.

O olhar da câmera conduz o espectador pela vida dos amigos Marcus (Jean-Pierre Léaud) e Paul (Lou Castel). Marcus é casado com Hélène (Dominique Reymond) e Fauchon (Marie-Paule Laval) com Paul. Há uma cena logo no início do filme que revela o tom da história. Marcus pergunta a esposa se ela o ama. Ela diz que sim, mas a expressão de Hélène não condiz com sua resposta. A revelação da mentira vem logo a seguir, quando ela se aproxima dele, e o beija na testa. Paul recebe tão somente um beijo fraterno, quando na verdade, queria um beijo que lhe queimasse os lábios.
Aparentemente, o filme não tem uma história, não cria uma rede de intrigas, não há suspeitos de um crime perfeito. Aparentemente parece ser mais um filme banal, sobre a busca banal por amor. Mas é justamente nessa aparente banalidade que Philippe Garrel nos toma pela mão e conduz filme adentro. Ao assistir o filme temos a sensação de estarmos conduzindo a câmera. Por isso os movimentos mais lentos, a hora e a vez de cada um dos personagens ter o seu close para dizer o que tem de ser dito, nem que seja em silêncio.
Porque o silêncio é tão importante nessa trama quanto os diálogos. Aliás, tão ou mais importante que a verborragia. Porque na grande parte do filme os personagens confundem-se nos próprios desejos. Por isso o tempo de cada plano não se encerra quando termina o que dizer. Porque sempre há mais a dizer, mesmo em silêncio. Mesmo quando o personagem sai da cena. E é nesses pontos que reforço, a câmera parece ser conduzida pelo espectador, porque queremos ver nascer esse amor, nem que seja por meio de um desencontro.
A trama centraliza-se em grande parte na solitude de Paul. Ele tem esposa, um filho e uma filha recém nascida. Mas Paul não se reconhece como um pai de família. Pior, não se reconhece no amor pela mulher, nem pelo filho. Segura no colo a menina recém nascida, mas nem isso lhe conforta. Os gritos de histeria não são porque a pobre menina demora três horas para cair no sono. Paul grita pela falta que ama. Grita pelo vazio. Grita porque a solidão dói.
Paul não ama a mulher, mas diz amar Ulrika (Johanna ter Steege), a amante. Só que esse sentimento voraz por Ulrika é só um despiste. Na verdade ele se entrega a esse amor bandido porque sabe que vai terminar logo. E termina, porque Ulrika não o ama. Num jantar na casa de amigos isso fica bem claro. Paul pega na mão de Ulrika por debaixo da mesa. Ela se entrega a esse toque sedicioso. No dia seguinte, ambos no carro, Paul repete o gesto. Mas Ulrika não quer esse carinho. Nos dois momentos são planos detalhes sutis que revelam que relação é essa entre Paul e Ulrika.
A sutileza é o grande encanto de O Nascimento do Amor. E é um filme tão bem costurado porque não são apenas os movimentos de câmera ou os planos demorados e fechados, como se quisessem entrar na mente dos personagens, que esmiúçam a trama. A música tem um papel fundamental. Esse piano ora doce, ora amargo, reflete esse desejo desesperado e inquieto pelo nascimento do amor. O piano revela a pulsação do coração. Notas duras e com muitas pausas, revelam a dor. Já as notas doces, a melodia envolvente, em um andamento mais acelerado, revelam a excitação.

Essa excitação Paul experimenta pela última vez na trama quando conhece uma jovem que diz ser sua fã. Logo se percebe que Paul vai aproveitar desse acaso para experimentar mais uma vez da porção do amor. Mas no caso de Paul, não é amor. E talvez nunca será. Porque Paul quer essa jovem na cama. Quer sexo. Sem compromisso, é claro. Porque Paul é sacana. Prefere seguir com seu jogo de sedução, ao invés de resolver a sua vida. Prefere as coxas quentes da menina, ao invés de enfrentar a responsabilidade de pai.
Paul tenta justificar essa irresponsabilidade contando a Marcus que o seu pai também saiu de casa quando ele ainda era pequeno. E esse é só mais um dos vazios. É só mais uma falta que ama. Porque a vida segue. E todas as irresoluções na vida de Paul e Marcus precisarão um dia ser resolvidas. Porque em algum momento, quando menos se esperar, alguém vai fitar teu olhar e perguntar: "Você me ama?". Pode ser assim, de um jeito aparentemente banal que o amor venha enfim a nascer. E talvez Paul não esteja preparado.
O Nascimento do Amor foi exibido na oficina de crítica cinematográfica, no CineEsquemaNovo - Festival de Cinema de Porto Alegre.

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