quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

AMANTES CONSTANTES


O mundo do cineasta francês Philippe Garrel é em preto e branco. Seus personagens não se deleitam na diversidade de cores do arco-íris, mas transitam entre o claro e o escuro, conduzidos pela sinuosa trilha entre a exaltação e a tristeza profunda. Parece dramático demais, mas assim é a vida. Ou alguém ainda acredita que a vida é algo parecido com aquele vôo de helicóptero através de um túnel de trem, cena de uma das mirabolantes seqüências de "Missão Impossível", com Tom Cruise?

Seja em "Amantes Constantes" ou mesmo em "O Nascimento do Amor" (1993, inédito no Brasil), Garrel disseca as relações amorosas. Dois filmes bem distintos, mas com o mesmo teor e a mesma câmera que não invade o espaço dos atores, muito menos irrompe o silêncio sem pudor. Garrel sabe como poucos, atualmente, ponderar necessidade e desejo; amor e vaidade; cólera e vaguidão. E o melhor, Garrel sempre deixa pistas falsas ao longo dos filmes. Entre uma cena e outra imprescindível, representativa para o enredo principal, o diretor arma uma porção de arapucas.

"Amantes Constantes" inicia com um bando de jovens metendo o pé na porta do sistema político burocrático, atrasado e centralizador da França, em 1968. Aquela virulência juvenil, desprovida de conseqüências, os coquetéis molotov que voam sobre a muralha de soldados, a fuga por entre os prédios esguios de uma Paris ainda com resquícios provincianos não é nada mais do que o pano de fundo. De todas as pistas, a única verdadeira é a de que o espectador conhece a partir daí o protagonista, François (Louis Garrel).

Os planos lentos, contemplativos, a música que aparece sutilmente, mas raramente, sem atropelar as cenas e os diálogos, tudo isso emoldurado sob uma harmônica estética, que fuzila a vigente necessidade de corroer o tempo. Porque em última análise, o tempo é o protagonista dos filmes de Garrel. Sua obsessão é transpor ao cinema o tempo da vida, o tempo de nascer o amor ou mesmo o tempo de perder o amor. Parece loucura, mas é só uma extensão do cinema idealizado por gente como Andrei Tarkovsky (1932-1986), que escreveu um livro para explicar essa pretensão: "Esculpir o Tempo". Infelizmente, Tarkovsky anda esquecido pelo nosso tempo.

"Amantes Constantes", no entanto, aos poucos, com a mesma incidência de encontros e desencontros da vida, acaba por colocar François diante de Lilie (Clotilde Hesme). Já passa da metade do filme, e não sabemos muito bem ainda se eles são de fato os amantes constantes que o título sugere ou são mais uma das pistas falsas. François e sua poesia parecem cada minuto mais em consonância das esculturas de Lilie. Assim como na vida, eles estão ligados pela arte em profusão naquele ano, já posterior aos confrontos de 1968.

É só um ano depois, mas muito da vida parece ter se esvaído. É porque o amor de Lilie e François perdeu-se no tempo. Não querem arriscar um amor que ainda nem parece consumado, mesmo depois da cama, mesmo depois da traição consentida. É como se a história de Lilie e François fosse a tentativa de reviver o amor de "Antes da Revolução" (1964), parafraseando o filme do italiano Bernardo Bertolucci, citado no filme de Garrel. No entanto, em "Amantes Constantes" tem o Sono dos Justos, que estabelece a antítese entre o antes e o depois da revolução, a de maio de 1968. E na vida de Lilie e François: antes e depois do amor.

Imovision, Drama, 178min, 2005.

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