Para ler ouvindo Cowboys, do Portishead
O tiro rompeu o baço. Não sangrou. Não doeu.
Seguiu caminhando. Atropelando a ansiedade, tropeçando na inquietude. Sem cigarros entrou na primeira espelunca. Acomodou-se no balcão. Pediu a especialidade da casa. No balcão um velho amigo que servindo algo que jamais tinha bebido. Desconfiado, olhou em direção da porta antes de tomar num gole só aquele copo borbulhante, de líquido amarelado e cheiro defectível.
Bateu forte com o copo na mesa. Limpou a boca com a manga da camisa branca, deixando um rastro amarelado. Tudo então ficou lindo e colorido. O mundo em câmera lenta, vozes arrastadas, olhos esbugalhados. Virou-se para trás e viu uma mulher loira descabelada cantando sobre uma mesa. Sacudiu a cabeça. Levantou do banco e tomado de uma raiva contida, vociferando como um mamute rouco da amidalite chutava cadeiras e derrubava copos e garrafas das mesas.
Não sentiu nada antes do soco. Um cruzado de esquerda. Caiu sobre uma pilha de garrafas vazias e adormeceu. Dois outros cavalheiros encarregaram-se de arrastá-lo para fora do bolicho. O bar ficava numa elevada. Nosso amigo então foi rolando morro abaixo. Acordou. Sacudiu a poeira e levantou. Atravessou a rua e tomou o primeiro ônibus que apareceu. Linha 40? Não, linha 20, respondeu o cobrador. Tudo bem, pego dois de 20, então. E sentou-se ao lado do motorista. Desceu na parada seguinte. Tomou outro Linha 20 e desceu na última estação.
Olhou para os lados. Alto da madrugada. Acendeu o último cigarro da carteira e seguiu pela rua, chutando uma lata de sardinha perdida na sarjeta. Três quarteirões depois, um bando de chinelos jogava conversa fora. Assim que avistaram nosso caríssimo amigo, foram pra cima dele. Sem titubear, nosso compadre puxou da cintura um revólver e disparou seis balas. Seis moleques caíram como saco de lixo lançado no banhado. Sorriu, guardou o revólver. Seguiu pela mesma rua. Tirou uma anotação do bolso: “Terceira casa à esquerda depois dos disparos”.
Entrou na casa, puxou pelos cabelos uma menina. Amarrou-a, vendou os olhos e deixou-a na calçada. Voltou e tirou da casa outra mulher, mais velha. Mesma coisa. Leia o que ele fez com a menina fez o mesmo com essa mulher mais velha. Voltou e arrancou a tapas um senhor careca e bigode preto. Tirou as calças do velho e bateu com um sarrafo de taquara. O velho caiu de joelhos e espatifou os dentes no jardim da casa. Amarrou uma corda nas pernas do velhote e na outra ponta prendeu a Kombi estacionada em frente da casa.
Desvendou a menina e a mulher e disse: “Divirtam-se”. As duas entraram na Kombi e saíram pelo bairro arrastando o velho pelas bibocas, passando em todas as ruelas por onde o velhote saia a caçar suas menininhas.
E assim termina mais uma história do nosso herói do desenho inanimado que você pode ler todos os sábados aqui na sua telinha. Um dia desses teremos dinheiro para rabiscar essas cenas papeleiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário