Dona Adelaide sorri. Aquele riso descomedido, como se voltasse àquelas sessões de matinê. Naquele tempo Porto Alegre tinha menos carros e ônibus e o vai-e-vêm das pessoas acompanhava a cadência do lamento de Lupicínio, quanto muito o choro de Pixinguinha. Nada dessa zoeira, zumbido e ziguezague desenfreado rumo a todo lugar e ao mesmo tempo lugar nenhum. Apoiada na soleira da janela da casa erguida na Chácara das Pedras, Dona Adelaide sorri.
As pernas não têm a mesma força de antes, quando passeava pela cidade de braços entrelaçados com as amigas Julieta e Ester. O tempo lhe tirou um amor aqui, outro ali, mas nunca o encanto pela vida. Nunca o gesto afável, o olhar doce, o sorriso de menina. Dona Adelaide tem 85 anos. E, se Deus quiser, vai passar o Natal em Caxias do Sul. Não promete um brinde caloroso, porque a bebida pega fácil.
– Só um golinho de champanhe porque fico tontinha. Eu gosto mais de cerveja preta, aquela bem docinha – revela, de cantinho.
O Natal da Dona Adelaide começou a duas semanas quando aceitou o convite da neta Patrícia para vir a Caxias. A ansiedade é só mais um dos muitos motivos que Adelaide tem para sorrir. Nem sabe o que a espera. Não sabe sequer onde vai dormir. Não sabe em que lugar da mesa farta vai sentar. Não sabe se terá champanhe ou cerveja preta. O futuro não a preocupa. Dona Adelaide tem fé.
– Se Deus quiser, se Deus quiser vou a Caxias.
O melhor presente para Dona Adelaide seria um maiô rosa. É sério, não é piada. O maiô rosa lhe transportaria para o dia do casamento. Dona Adelaide ganhou um maiô rosa, mas nunca pode usá-lo. Por implicância de uma tia pudica (e insensível), trocou o lindo maiô rosa por um vestido que cobrisse os joelhos. Esse novo maiô rosa ela também não precisa usar. Poderá contar aos bisnetos e trinetos que o triste fim do maiô rosa ganhou um novo capítulo no Natal de 2006.
– Vivi coisas tão bonitas, né?
Viverá outras mais, querida Adelaide. Começando por esse Natal.
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