segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Com o dedo no gatilho*

"Tropa de Elite" virou uma febre, primeiro por ter vazado para a Internet e ser facilmente encontrado em qualquer camelô do Brasil. E segundo, porque trata da criminalidade e do tráfico de drogas a partir da visão do temido Batalhão de Operações Especiais (BOPE), do Rio de Janeiro.

Quando os camelôs do Rio de Janeiro começaram a vender o DVD de "Tropa de Elite" quase ninguém entendeu nada. Era só mais um filme de ação à disposição, por um precinho bem camarada. Mas aí um cara comprou, recomendou para o amigo que comparou com Cidade de Deus, e então veio outro dizendo que "Tropa de Elite" era ainda melhor. Esse boca-a-boca aumentou ainda mais o interesse pela cópia pirata, até porque o filme só seria lançado em novembro. Para driblar esse inconveniente, o diretor José Padilha resolveu antecipar às pressas o lançamento nos cinemas.

No primeiro final de semana de exibição nos cinemas de São Paulo e Rio de Janeiro, o filme levou cerca de 180 mil espectadores. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope (não confundir com BOPE) estima-se que entre 12 e 15 milhões de pessoas já viram "Tropa de Elite", seja em cópia pirata ou na telona. Para entender como é importante essa marca, o filme de maior público do cinema brasileiro na sua estréia é "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, lançado em 1976, com 12 milhões de espectadores.

Mas afinal de contas, por que "Tropa de Elite" vem causando todo esse alvoroço? O filme é muito bom. É inegável. Esfrega na cara do espectador uma dura realidade que não pode mais ser ignorada. Até aí, novidade nenhuma, porque tem uma penca de filmes importantes que ajudam a entender os problemas sociais do Brasil, não só pelo viés da criminalidade (leia box abaixo). A originalidade do filme, no entanto, reside no foco delimitado pelo diretor. O espectador é conduzido pelo ponto de vista do capitão Nascimento (Wagner Moura), do BOPE.

Contra a sua vontade, Nascimento é destacado para "apaziguar" o Morro do Turano. É que no filme o Papa João Paulo II visitaria o Rio de Janeiro e ficaria hospedado pertinho dali. E nada poderia acontecer a Sua Santidade, lógico. Ao mesmo tempo, Nascimento corre contra o tempo para encontrar um substituto. O capitão quer sair do BOPE porque anda estressado, sua mulher está grávida, e a relação entre eles esmorece a cada dia.

Voz do tédio
Nascimento é o narrador e protagonista. É sua a voz da indignação, do tédio de repetir todo os dias as mesmas tarefas e nada, absolutamente nada, ao seu redor modificar-se. O espectador fica sabendo por ele que a inoperância da Brigada Militar é o motor do BOPE. Porque quando nada mais adianta, quando a BM perde o controle, o BOPE é chamado para resolver tudo. Mas o BOPE nunca resolve tudo como se esperaria. Porque não adianta matar traficante e recuperar armas de grosso calibre. No dia seguinte, novos traficantes estarão no lugar dos mortos armados até os dentes.

A resposta desse descontrole, no entanto, não está em "Tropa de Elite", e sim nos documentários "Notícias de Uma Guerra Particular" (João Moreira Salles e Kátia Lund) e "Falcão, Meninos do Tráfico" (MV Bill e Celso Athayde). Nessas duas produções entende-se que há uma lista imensa de meninos ávidos por pegar em armas e lutar pelo "movimento", ou seja, meninos loucos para ser traficantes. Outro filme referencial e, de certa forma complementar para entender "Tropa de Elite", é "Cidade de Deus". Se o filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund, revelava a gênese do narcotráfico nas favelas, "Tropa de Elite", na visão do capitão Nascimento, disputa um jogo de duas caras com as classes média e alta.

Cinema não salva ninguém
Se de um lado, é bom para a elite econômica que o BOPE suba no morro para exterminar quem encontrar pela frente, contanto que esse sangue todo não espirre no asfalto, de outro, Nascimento tenta provar que o tráfico só existe porque os filhos dessa mesma elite continuam comprando maconha, cocaína e o escambau. Nascimento é enfático: "Quantas crianças a gente tem que perder para o tráfico só para que um playboy possa enrolar um baseado?".

Não espere uma luz no fim do túnel. "Tropa de Elite" é um minucioso tratado sobre a realidade, mas é só um filme. E cinema não salva ninguém. O que salva é investimento em segurança, educação, saneamento básico, saúde. Nascimento e sua tropa estão tão exaustos e desnorteados quanto a molecada que empunha fuzis nas favelas Brasil afora. Mas como diz o ex-capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, no documentário "Notícias de Uma Guerra Particular": "A única instituição do governo que sobe a favela é a polícia. Mas a polícia não pode fazer nada sozinha".



O LIVRO
"Elite da Tropa", foi escrito em 2005, por Luiz Eduardo Soares, André Baptista e Rodrigo Pimentel, com o roteiro do filme já em andamento. "Tropa de Elite" centraliza a trama no capitão Nascimento (Wagner Moura), mas o livro retrata diversas histórias de outros policiais do BOPE, preservando ainda suas identidades.
Editora Objetiva, 312 páginas. R$ 39,90 (sem o desconto de 20% da Feira do Livro).

PARA ENTENDER A CRIMINALIDADE NO BRASIL
Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977), de Hector Babenco
Notícias de Uma Guerra Particular (1999), de João Moreira Salles e Kátia Lund
O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas (2000), de Paulo Caldas e Marcelo Luna
Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund
Ônibus 174 (2002), de José Padilha e Felipe Lacerda
Carandiru (2003), de Hector Babenco
O Prisioneiro da Grade de Ferro (2004), de Paulo Sacramento
Falcão, Meninos do Tráfico (2006), de MV Bill e Celso Athayde

* reportagem publicada no jornal Pioneiro.

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