terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Maldita sina do "eu faço"

Tem uma regrinha bem chinela que uns e outros teimam em consolidar como lei. É uma certa deturpação da fabulosa filosofia punk: "faça você mesmo". Não conhece punk rock? Sem problemas, explico. É uma guitarreira de três acordes. Tudo muito cru, nada lapidado, que se presta e muito bem para quem não sabe tocar nada. Não que o gênero só tenha revelado músicos desprovidos de talento, só pra ser eufemista. Nada disso. Sem essa de enfiar palavras na minha boca. O charme do punk é a atitude. Nenhum perfume e muito suor.

Voltando. Tem uma leva de gente desinteressante - inclusive em Caxias, lógico, cidade onde tudo nasce -, que insiste vender seu passe pra qualquer posição. É como se o talento pra fazer origami fosse similar ao de rachar lenha. Parece invenção, mas não é. Sério. Pode sair por aí e comprovar. Qualquer lugar serve. Até no Parque dos Macaquinhos onde sazonalmente ocorrem shows, numa rara demonstração de risos e aplausos. E olha que na hora da comédia, no último domingo, o parque tava vazio.

Esse desejo descabido de fazer tudo a qualquer preço é pior do que anúncio de classificados. Nunca se sabe se aquele tão desejado carro, com todos os itens de série, único dono, teto solar e o escambau, não tava submerso no Rio das Antas. E pior, se foi reconstruído com peças encontradas no ferro velho, e não, originais de fábrica. É como diz minha vó: "vendem gato por lebre". O problema, vó, não é o coitado do gato ridicularizado, mas o safado do cara que fantasiou o felino como uma lebre, enfiando chumaço de algodão nas orelhas e...deixa pra lá.

É como aquela padeira, que sabe como poucos vender o melhor pãozinho, quentinho, saboroso, que derrete a manteiga e faz qualquer um babar de gula. Pede pra ela reger um concerto de uma orquestra com mais de 100 músicos cujo repertório contempla toda a obra dodecafônica do austríaco Arnold Schoenberg. Não sabe o que é dodecafonia? Lembra das três notas do punk, que era só um subterfúgio pra virar o mundo de ponta-cabeça? Pois bem, a dodecafonia também queria subverter a ordem, mas ao invés de fixar-se em apenas três notas, Schoenberg desenvolveu séries preestabelecidas de 12 sons diferentes e independentes entre si.

Coisa de loco, né? Mas lá no fundo tem um sentido, mesmo que nas entrelinhas. Pronto, expliquei a piada. Não devia, mas contei. É que eu não descanso. Sei que nada adianta expor os velhos problemas que se arrastam desde quando o primeiro índio que morava por aqui viu sua arte boiando no mar de ignorância. Porque, já que o índio, do alto da sua sensibilidade não percebia que poderia ganhar uns trocados com os potes de barro que produzia, apareceu o astuto colonizador e disse: "eu faço". E desde então, os vasos, roubados, são vendidos como obras preciosas, cujo valor transcende o limite do cartão de crédito.

crônica desta quarta-feira no Pioneiro.

3 comentários:

Anônimo disse...

Cacete. Teu texto é forte, velho. Não há como parar de ler. Não adianta ter uma boa idéia ou um bom assunto se não se sabe escrever.
Neste espaço encontro boas idéias, bons argumentos e textos instigantes.
Continue dividindo tua visão de mundo conosco. Só tens a acrescentar. Vou beber desta fonte, pq o q é bom deve ser reverenciado. Eventualmente comentarei teus posts. Mas me ponho na condição de espectador.
Aqui, o show é teu. Eu tô na 1ª fila. Tão cedo não quero ver as cortinas se fecharem...

Anônimo disse...

Ótimo ensaio mugnol! É o ponto de largada pro documentário do nosso spike Mono lee!!! :)

namaste!

Mugnolini disse...

Putz Xande, valeu. Fico feliz com tua assídua leitura.

E vamo que vamo.