Amanhece na capital. Porto Alegre não combina com dias cinza. Não combina com o vento frio rasgando o pescoço. O sol parecia que sairia, aparecia entre as nuvens um tanto tímido, mas logo tratou de esquivar-se e voltar pro lugar de onde veio.
É tão estranho. Mas a vida sempre nos devolve ao lugar de onde viemos. Num dia somos quase nada, menor do que uma semente de girassol. Noutro dia, voltamos a nos sentir menores do que um grão de areia. E não tem nada mais piegas ou professoral do que passar o dia escrevendo sobre nascer e morrer. Mas quando se pára pra pensar e se percebe que NADA absolutamente NADA faz sentido sem nascer e morrer, é que nos damos conta do significado disso tudo.
Voltar pro lugar de onde viemos... E cada um pensa num lugar diferente. Alguns com fé, outros racionalidade. Todos estão certos. Nem assim vai ter sobrevida.
É um dia cinza. Aquele cinza carregado com as cores da melancolia. Da apatia. Da vaguidão. Sabe aquele dia que teima e persiste, mas parece não deixar saudade mesmo antes de findar o dia? Pois é assim mesmo que esse dia se apresenta. Sem o perfume da primavera, sem o calor gostoso e acalentador do sol de manhã como outra qualquer.
A beleza do dia ainda existe. Mas é preciso desviar o olhar dessa teimosia dura e fria que se insinua. É preciso tentar ver ali na frente, aquele passarinho singelo levando comida pra seus filhotes. É preciso tentar ver logo adiante, aquela senhora de rugas bem expressivas atravessando a rua com o leite e o pão debaixo do braço. É preciso se deixar levar pelo garoto que passa de um lado ao outro balançando no balanço. Lança-se ao vento como se não houvesse dia ruim, como se o cinza fosse só a ausência de mais cor. De um azul irradiante, que ele consegue produzir com seus lápis de cêra.
Tudo continua ali, do mesmo jeito, como ontem. O que difere é o tempo de sentir as coisas. O mesmo arranha-céu dialoga com a rua movimentada cheia de gente fissurada com suas vidas aceleradas. O mesmo semáforo marca, religiosamente, verde-amarelo-vermelho. Não muda sua rotina por nada. Nem mesmo depois da morte. Muito menos antes. Não é o sinal que determina o fim ou começo de uma nova vida. É a nossa vida estranhamente atribulada, cheia de encontros e desencontros.
O tempo de matar o tempo...
Nesse vai-e-vém de gente dispersa, de gente paranóica, o mundo gira na mesma velocidade de sempre. O que anda mudando é a nossa percepção desse tempo. Porque o tempo de um sinal abrir e fechar é o mesmo que dura um comercial de calcinha ou de sabão em pó. Só não pode ser esse tempo esguio, de 30s, o tempo de amar. O tempo de dizer "eu te amo". Porque pra dizer "eu te amo", com a certeza cravada no gênese da pureza; pra dizer "eu te amo" com o coração ofegante de compaixão; pra amar com amor infinito posto que é chama, é preciso ter sido amado antes.
Não faz frio, nem chove. Mas a sensação dentro de mim é de uma chuva fina, intermitente, enjoativa, apática e sem gosto. Na garganta fica só o gosto amargo de um tempo que parece se esgotar. E infelizmente esse tempo não será renovado com nova bateria vinda da China. Não ainda. Quem sabe num dia desses em que teremos menos fuscas pelas ruas e mais espaçonaves como nos desenhos dos Jetsons. Enquanto isso, resito acreditando no poder do amor. Sem contra-indicações. Não esse amor que se vende em músicas baratas de comercial de televisão, como Jota Quest. Mas amor de berço, amor que nasce antes mesmo do primeiro sorriso, antes do primeiro beijo, antes do proimeiro abraço de pai.
Olhando melhor, nem parece que o dia tá cinza, tamanho brilho que irradia do olhar do pai. Freud não explica que eu ainda tenha um pai-herói aos 32 anos. Não só tenho (e esse sentimento é eterno e existirá mesmo depois da morte) como vou alimentar rumo às novas gerações. Já vejo melhor o brilho terno que emoldura as nuvens lá do alto. Deve ser o poder desse amor todo, né pai?
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