Depois do furacão Xuxa, vem a calmaria. Sai a histeria, o ilariê, o flash que ofusca, e entra a sutileza desvairada, o olhar que desvela toda sorte de cafajestes e revela um sentimento profundo de entender a vida através da janela da alma. Sai a Xuxa e sua trupe de eternos baixinhos, e entra em cena, no palco do Festival de Cinema de Gramado, um dos diretores mais importantes do cinema brasileiro, o moçambicano Ruy Guerra.
Ruy Guerra será homenageado com o prêmio Kikito de Cristal, hoje à noite, no Palácio dos Festivais. É uma graça pelo conjunto da obra, por sua relevância na produção de filmes que dão conta de dar uma cara à cinematografia brasileira. Guerra é um dos responsáveis pela revolução do cinema novo, cujo principal objetivo era revelar que Brasil é esse, suas contradições e dilemas. Movimento que tomou corpo e que vez ou outra ainda faz brotar referências América do Sul afora.
Esse olhar de Ruy Guerra, voltado às contradições, é a cara do cinema Brasileiro. Se na Argentina o filme mais visto em 2008 foi Ninho Vazio, de Daniel Burman, uma produção que retrata com sutileza a relação de uma família, mas sem tropeçar em qualquer estereótipo, aqui no Brasil temos justamente o inverso. Temos um filme como Se eu Fosse Você 2, como a maior bilheteria do ano. Felizmente, filmes como Se eu Fosse Você não vêm a Gramado.
E pior, o tapete vermelho não recebe sequer as “estrelas” (veja bem, entre aspas) que estão com suas faces estampadas nos filmes de maior bilheteria. Gramado expõe no tapete atores, que em sua maioria, estão na berlinda-temporária, superexpostos nas novelas das suas emissoras (aliás, que deliciosa briga essa da Globo/RBS e Rede Record).
Enquanto isso, lá dentro da sala escura, um público ainda tímido, com lotação média de apenas a metade da capacidade, assiste a uma boa seleta de filmes em longa-metragem. Nas sessões da noite, que contemplam os filmes brasileiros e estrangeiros em competição, destaque para La Teta Asustada, co-produção Peru/Espanha, da cineasta Claudia Llosa. O filme já tem na bagagem o peso de um Urso de Ouro, no Festival de Berlin deste ano.
Dentre os brasileiros, destaque para doc-arte inspirado na vida do artista plástico Cildo e o doc-investigação Corumbiara, sobre o massacre de índios em Roraima. Mas o filme brazuca mais comentado ainda é Canção de Baal. A diretora Helena Ignez tomou porrada e carinho no debate na manhã seguinte da exibição. Seu cinema de poesia, de risco, que deflora a inocência com um punhado de ousadia é o bálsamo nesse festival de contradições.
Hoje na tela do Palácio dos Festivais, mais dois filmes que prometem brigar pelo tão sonhado título de melhor filme de Gramado. O uruguaio Gigante, de Adrian Biniez, que revela a obsessão de um relacionamento entre um segurança e a mulher da limpeza de um supermercado, chega com a chancela do prêmio Urso de Prata, no Festival de Berlin. No lado brazuca, é aguardada com ansiedade a exibição de Corpos Selestes, de Marcos Jorge (diretor de Estômago) e Fernando Severo. O filme discorre sobre as diferenças de temperamento de um casal. Mas tudo isso sob a ótica de um astrônomo.
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