sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

Se tudo fosse como Cartola cantasse a bola sete sempre cairia primeiro

foto: Pedro Karp Vasquez

Não tenho mais jogado sinuca, mas quando jogava o problema era saber qual bola cairia primeiro na caçapa. Por quê? Porque dessa definição dependeria o resultado da partida. Não há nada de supertição. É fato. A matemática confirma. Ligue para o 0800 e sei lá o quê e peça uma análise do matemático Oswald de Souza. Ele também confirma. É lei: quando eu jogo preciso derrubar primeiro a bola sete. Se não, nunca ganho.

Na sexta-feira passada, à noite [7/out/2005], resolvi aceitar a disputa de uma partida de sinuca. Calculei tudo. Das 20h às 22h30min, sinuca, conversa fora, petiscos e umas cevinhas. Depois, casa, banho e uma passada rápida pela Internet antes do show do Rionegro & Solimões, na abertura do Jockey Clube Rodeio Festival, em Caxias. É sério, rodeio em Caxias com eliminatórias para o rodeio de Barretos. Guampa pra lá, guampa pra cá, cavalos e touros resvalando na própria merda e um pouco de chinelagem no intervalo.

Perdi as três partidas de sinuca da noite. Quinze pila jogados fora. Mas tudo bem, na semana que vem prometi uma revanche. Vou reservar uma mesa no Juranda's das 22h em diante, vou vencer três partidas seguidas nem que eu perca as calças. Lá pelas 23h30min peguei uma carona até o Jockey Clube de Caxias. Na entrada uma fila dos infernos. Me deixa ali no trevo de acesso, não precisa entrar, disse ao motorista. Fui conduzido à entrada pelo cheiro de churrasquinho e molho requentado de cachorro quente.

Resisti às guloseimas. Passei a primeira porteira. Putz, e agora, onde entro? Avistei uma ex-funcionária do Caminho Aventura Bar. Pedi uma credencial e me deram uma pulseirinha. O camarote da imprensa é o 29, disse ela, enquanto eu saía. Obrigado. Atravessei um corredor de seguranças e pensei: eu de mochila...vai dar merda, vão querer revistar tudo. Mostrei a pulseirinha cinza de imprensa e tive livre acesso. Nada de revista, nenhuma pergunta estúpida. Bendito diploma.

Enquanto procurava o melhor lugar meti o pé na lama. Literalmente. Ainda bem que eu tava de coturno. Enfim, vi uma placa escrita 'camarotes' e fui. Cheguei a lugar nenhum. Que merda onde fica esse camarote. Andei, passei por debaixo das arquibancadas, atravessei outro mar de gente com lama até as canelas e nada. Desisti. Fui pra arquibancada. Pra que camarote? Afinal de contas o melhor lugar para ver um show da dupla Rionegro & Solimões é na arquibancada, ao lado dos verdadeiros fãs.

Encontrei um bom lugar e sossegado. Do meu lado direito um bêbado sem camisa dançava sozinho. Às vezes parava, ficava quieto e calado, meio triste. Dizem que é o efeito colateral da Brahma quente. Três quartos à minha direita três gurias de vermelho e chapéu de vaqueira pareciam filhas desgarradas de uma seita liderada pela Viúva Porcina. Como que viúva é essa...aquela do Roque Santeiro. Não lembra? então esquece.

Vou entrevista-las, pensei. Putz mas eu vou perguntar o quê? Pensei, ponderei. Pensei de novo. Putz, se eu fosse até elas seria pra tirar sarro. Preferi a distância. Comecei a ficar entediado. Tudo ao meu redor conspirava pra uma derrocada. Assim como na mesa de sinuca minha noite estava indo pro brejo. Demora. Nada de show. Aí, uns malas de uma rádio FM daquelas bem bagaceira começaram a jogar camisetas promocionais em cima das pessoas. Parecia que estavam alimentando porcos com cascas de melancia.

Quem quer concorrer a 10 mil reais pra ficar 10 segundos em cima do touro?, perguntou um dos apresentadores da maldita rádio. Eu!!!!!, gritou o bêbado do meu lado. E disse sério. Gritou, gritou, mas ninguém ouviu a súplica. Não porque ele estivesse bêbado, mas pela distância mesmo. Da arquibancada, onde estavam o bêbado e eu, até o palco, tinha pelo menos uns 300 metros. Enquanto eu ajudava o vendedor de cerveja que se esborrachou no chão, quebrando o isopor e deixando cair várias latinhas de Brahma, ouvi fogos de artifício. Olhei pra cima, dois ou três fogos meio brochas rasgando o céu. Entra uma voz de locutor mala de rádio FM e diz: Com vocês, a dupla de maior sucesso dos rodeios pelo Brasil, Rionegro & Solimões!

Que merda. Parecia missa de crente, aqueles que pensam que deus é surdo, um gritedo só. Mas sabe que durou pouco. O show foi morno. Só esperneou de prazer quem ama muito as músicas da dupla. Porque a maioria ficou satisfeita mesmo sem bis no final. Naquele lamaçal casais querendo sexo dançavam sem parar. Pertinho de onde eu estava até se podia sentir um cheiro de cio. Mas no rodeio só pega mulher quem tem cheiro de touro ou cavalo. Pelo menos foi o que me disse um dos competidores.

Não vou dizer o nome do cara pra não fazer propaganda gratuita, mas o cara disse que pegou duas loiras de coluna social. Pegou as duas na cocheira mesmo, sem asco, nem camisinha. Entre a lama e os pelegos molhados o magrão tirou o couro das duas. Pode ser mentira? Pode. Mas prefiro acreditar que tenha sido verdade.

Durante o show o cara foi assediado várias vezes. A maioria queria pegar na fivela do cinto dele. Adoro meu trabalho. Passo o ano inteiro viajando, ganho uns prêmios aqui, outro ali, tenho apartamento, carro e uma fazendinha só com o dinheiro dos rodeios e além disso como quem quero, disse, me disse o vaqueiro, entre um gole e outro de cerveja. Uma olhadela no relógio, amassa a latinha, joga entre as frestas da arquibancada e se despede.

E o show segue. E eu preferia minha cama. Eu preferia ter ganho a partida de sinuca. Eu preferia esatr num show da Ligante. Um dia ainda vou tocar com a Ligante, mas aí é papo pra outro dia. Ah, e também vou montar uma banda com o Moishe e o L'appat. Enquanto pensava em coisas boas da vida, como beber sentado num balcão vendo o show da Ligante num bar escuro, Rionegro seguia maltratando meus ouvidos.

Tu gosta mesmo deles, perguntei. Eu amo o Rionegro, me respondeu uma tresloucada quase rouca. Mas por quê?, insisti. Ele é lindo! Que merda. Saí de fininho e voltei pro meu lugar. A essa altura o cheiro de cio era insuportável, talvez pela fricção de quase uma hora de show. O rala e rola das calças justas de homens e mulheres provoca um odor impossível de resistir. Desci da arquibancada, encontrei um lugar afastado e vomitei. Joguei pra fora toda a sopa de agnolini e as cervejas que tomei na sinuca.

Maldita bola sete. Se tivesse caído aposto que o show sequer teria começado. Mas tudo bem, suporto a maldição da bola sete. Joga sinuca, perguntei pra uma senhora com uma criança na mão. Me olhou com cara feia e continuou sacolejando a pobre criança sonolenta. Putz, mas vai levar essa criança pra casa mãe bocaberta. Depois vai passar a vida se lamentando que o filho não dá a mínima pra mãe. Mas também, quando o filho queria atenção ela dava sacolejadas e levava o filho na boca do inferno...

Paciência tem limite. Pensei em ligar para o conselho tutelar, mas não adiantaria nada mesmo. Aposto que não atenderiam ao meu chamado. Iriam dizer à polícia que eu estava tentando aplicar um trote. Falando na polícia, ao final do show, na saída do Jockey, nenhum dos três policiais moveu uma palha pra organizar o fluxo de carros. A única atividade deles era levar de um lado pra outro três cones laranjas sinalizando nada pra gente nenhuma.

O show acabou com papel picado jorrando na platéia, rosas vermelhas lançadas e mais uns três ou quatro foguetes brochas, desses comprados nos mercadinhos de esquina, sem nota fiscal nem alvará para venda de produtos inflamáveis. Ninguém pediu bis. E a boiada seguiu seu rumo em direção à saída. Embaixo da arquibancada, perto de onde e vomitei vi uma mulher agachada num vai e vêm. Lugar incomum pra um carinho como esse, mas são coisas da vida de peão, vida de boi desgarrado, sempre à procura de uma vaca no cio.

Bati os coturnos cheia de lama e fui pra saída. No caminho encontrei um senhor de cara amarrada no churrasquinho de gato. Reclamava da vida, do amor, do Grêmio, do quase dilúvio que estava por vir, do jornal que não havia sido entregue naquele dia, da sogra, uma mala sem alça sempre jogando o cara contra a esposa, do dente pivô sempre doendo, da pia da cozinha que sempre vaza, do chuveiro que espalha água demais e esquenta de menos. Sentei do lado dele e puxei conversa.

Em poucos minutos me contou a vida. Relatou a tristeza dos filhos paridos sem querer, a melancolia da canção brasileira sem Cartola e da tristeza de ver sua vida definhando na caçamba de uma carrocinha de churrasquinho de gato. Me pagou um espetinho e duas cevas enquanto esperava a minha carona.

E como tava o show do Rionegro & Solimões?, perguntou. Um saco, odeio dupla sertaneja, respondi. Eu também, endossou meu amigo churrasqueiro. Sabe quem inventou essa baboseira de dupla sertaneja?, perguntou, com um ar de sábio tibetano. Não, respondi, enquanto mastigava um pedaço de carne. O culpado disso tudo é o Roberto Carlos. Ele escrevia umas canções de amor brocha, sem sal, chatas, um tédio! Aí vieram umas duplas brejeiras que só ouviam rádio no interior dessa porra desse Brasil e passaram a imitar o Roberto. Cópia mal feita e deslavada, explicou.

Tá, mas e pro senhor, qual é a saída?. Saída pra escapar dessas duplas sertanejas? Armar a população. Tiro neles. Peste se cura à bala. Cadeia pra eles. Amigo, tem coisas que a gente precisa aprender com a ditadura. Deveriam criar uma cadeia só pra depositar cantor sertanejo. Depois, disso, lançar em rede nacional canções do Cartola e Noel Rosa. Ah, Assis Valente também. Aí sim o Brasil seria um outro país. Aí eu poderia voltar pra casa e parar de vender churrasquinho de gato. Porque é gato mesmo. Ou tu acha que vou gastar no açougue com esse tipo de gente? Sertanejo merece carne de gato!

O discurso desse vendedor me emocionou. Saí da banquinha segurando o choro. Sabe, aquele momento close da lágrima que o Jornal Nacional sempre usa em matérias emotivas? Pois é, segurei a onda e saí batido. Agradeci o rango e prometi voltar. Nunca mais volto, a não ser forçado, com a corda do pescoço. Deixo para trás mais do que algumas boas histórias pra contar. Deixo pra trás o horror de ficar quase duas horas trancafiado num rodeio lamacento e tedioso.

É nessas horas - e só nessas horas - que lembro da Rita Lee a chaga dos amantes do rodeio. Salve Rita Lee que deveria ganhar salário do governo pra falar mal de todos os rodeios Brasil afora. Ah, se você odeia rodeio pare de comprar no Magazine Luiza, porque o Rionegro & Solimões tem a turnê patrocinada pela loja e mais, se você comprava na Colombo, pode parar também, porque essa loja patrocinou o rodeio de Caxias. Escolher onde se compra é permitido por lei. Faça seu direito valer.

E assim caminha a humanidade. Rumo ao limbo. Faça a sua parte: deixe rodar aquele CD do Radiohead, que você baixou em MP3, antes que seja tarde. Ou vire vaqueiro pra comer todas aquelas garotinhas de coluna social que você tanto deseja e não tem culhão pra chegar nelas.

P.S..: reportagem gonzo replublicada aqui a pedidos porque no blog velho não tem mais como ler. Foi escrita quando tive de ir num rodeio para fazer uma matéria para o jornal Pioneiro. Fui só para cobrir o show do Rio Negro & Solimões e aproveitei pra fazer uma outra, com tempero gonzo que aqui é republicada.

P.S.2: A foto acima não é do referido evento porque não me deixaram fazer foto das cenas que vi. Então escrevi o que vi com um certo gosto amargo.

3 comentários:

Mugnolini disse...

zzzzzzzzzzzzzzzzzzzz, zero comments...

Adele Corners disse...

Tá bom, tá bom.... 2 comments... Isso só pq teu texto me deu vontade de ir num rodeio pra presenciar essa fauna toda...

Mugnolini disse...

hehehe. grácias.