Estranha felicidade
Nem sempre a verborragia dá conta de explicar alguma coisa. Às vezes o silêncio é imperativo. Porque mesmo quando há muito pra se dizer, nem sempre é possível dizer só com as palavras. “Nascido y Criado”, de Pablo Trapero, e “Deserto Feliz”, de Paulo Caldas, exibidos ontem à noite na Mostra Competitiva, no Palácio dos Festivais, são bons exemplos disso.
“Nascido y Criado” revela, em um ritmo lendo e cadenciado, como se nunca estivesse acontecendo nada, a separação de uma família. A partir de um acidente automobilístico, Santiago (Guillermo Pfening) foge para um descampado no sul da Argentina. De uma forma sutil, quase sem palavras, alternando banalidades e situações de tristeza, solitude e medo, Santiago definha. Trancafiado em um dilema particular, se fecha para o mundo. Mas aí vem um telefonema banal e reata os pedaços espalhados da sua vida. E podia ter acabada aí, sem o previsível reencontro de Santiago e Milli (Martina Gusman).
Mesmo depois do intervalo e da homenagem a Zezé Motta, a inquietude seguiu durante a exibição de “Deserto Feliz”, do pernambucano Paulo Caldas (“Baile Perfumado”). Aliás, bem-vinda inquietude. Seguindo a mesma trilha da incomunicabilidade, Caldas conta a história de Jéssica (Nash Laila), menina de 15 anos que foge de casa e sobrevive como prostituta.
Nesse descaminho acaba encontrando Mark (Peter Ketnath) um turista de Berlin que a leva para a Alemanha. Essa relação que flerta entre o desejo, a paixão voraz, a troca de favores, deixa no ar um incômodo. Porque sempre fica a impressão do quase. Seria quase amor, quase abandono? Sentada à beira da cama Jéssica parece entregue a sina de uma estranha felicidade no deserto de Berlin.
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