terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Ó, CASARA

Charge do Iotti, de hoje, publicada no jornal Pioneiro.




Homenagem ao Casara, líder de uma nova tribo
nos altos de um cidadezinha da África.
Cansado de comer zebra e beber cachaça de milho,
Casara anda rindo à toa com a papada na série B.



quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

AMANTES CONSTANTES


O mundo do cineasta francês Philippe Garrel é em preto e branco. Seus personagens não se deleitam na diversidade de cores do arco-íris, mas transitam entre o claro e o escuro, conduzidos pela sinuosa trilha entre a exaltação e a tristeza profunda. Parece dramático demais, mas assim é a vida. Ou alguém ainda acredita que a vida é algo parecido com aquele vôo de helicóptero através de um túnel de trem, cena de uma das mirabolantes seqüências de "Missão Impossível", com Tom Cruise?

Seja em "Amantes Constantes" ou mesmo em "O Nascimento do Amor" (1993, inédito no Brasil), Garrel disseca as relações amorosas. Dois filmes bem distintos, mas com o mesmo teor e a mesma câmera que não invade o espaço dos atores, muito menos irrompe o silêncio sem pudor. Garrel sabe como poucos, atualmente, ponderar necessidade e desejo; amor e vaidade; cólera e vaguidão. E o melhor, Garrel sempre deixa pistas falsas ao longo dos filmes. Entre uma cena e outra imprescindível, representativa para o enredo principal, o diretor arma uma porção de arapucas.

"Amantes Constantes" inicia com um bando de jovens metendo o pé na porta do sistema político burocrático, atrasado e centralizador da França, em 1968. Aquela virulência juvenil, desprovida de conseqüências, os coquetéis molotov que voam sobre a muralha de soldados, a fuga por entre os prédios esguios de uma Paris ainda com resquícios provincianos não é nada mais do que o pano de fundo. De todas as pistas, a única verdadeira é a de que o espectador conhece a partir daí o protagonista, François (Louis Garrel).

Os planos lentos, contemplativos, a música que aparece sutilmente, mas raramente, sem atropelar as cenas e os diálogos, tudo isso emoldurado sob uma harmônica estética, que fuzila a vigente necessidade de corroer o tempo. Porque em última análise, o tempo é o protagonista dos filmes de Garrel. Sua obsessão é transpor ao cinema o tempo da vida, o tempo de nascer o amor ou mesmo o tempo de perder o amor. Parece loucura, mas é só uma extensão do cinema idealizado por gente como Andrei Tarkovsky (1932-1986), que escreveu um livro para explicar essa pretensão: "Esculpir o Tempo". Infelizmente, Tarkovsky anda esquecido pelo nosso tempo.

"Amantes Constantes", no entanto, aos poucos, com a mesma incidência de encontros e desencontros da vida, acaba por colocar François diante de Lilie (Clotilde Hesme). Já passa da metade do filme, e não sabemos muito bem ainda se eles são de fato os amantes constantes que o título sugere ou são mais uma das pistas falsas. François e sua poesia parecem cada minuto mais em consonância das esculturas de Lilie. Assim como na vida, eles estão ligados pela arte em profusão naquele ano, já posterior aos confrontos de 1968.

É só um ano depois, mas muito da vida parece ter se esvaído. É porque o amor de Lilie e François perdeu-se no tempo. Não querem arriscar um amor que ainda nem parece consumado, mesmo depois da cama, mesmo depois da traição consentida. É como se a história de Lilie e François fosse a tentativa de reviver o amor de "Antes da Revolução" (1964), parafraseando o filme do italiano Bernardo Bertolucci, citado no filme de Garrel. No entanto, em "Amantes Constantes" tem o Sono dos Justos, que estabelece a antítese entre o antes e o depois da revolução, a de maio de 1968. E na vida de Lilie e François: antes e depois do amor.

Imovision, Drama, 178min, 2005.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

PRÊMIO

É brazuca o vídeo vencedor do Project Direct, um certo concurso internacional de curtas-metragens promovido pelo YouTube. "Laços", dirigido por Flávia Lacerda, tem roteiro de Adriana Falcão, esposa de João Falcão (diretor de "A Máquina"). A protagonista, Clarice, 18 aninhos, é filha Adriana e João.

O curta custou R$ 2 mil e levou como prêmio US$ 5 mil. Além disso, "Laços" será exibido em sessão especial no Sundance, festival de cinema independente norte-americano. O vídeo pode ser visto em diversos links pelo YouTube, mas estima-se que cerca de 200 mil pessoas já o tenham assistido.

A sinopse é a seguinte: menina conhece rapaz bizarro após a morte do pai.

Assista antes de julgar (sic): aqui.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

UM FILME PUNK

Há muito tempo um filme deixou de ser só um filme. Explico: parece que o interesse é menor pelo que se vê através da tela do cinema ou mesmo pela telinha do computador, e se torna mais relevante a muvuca em torno da obra. Ou vai dizer que "Je Vous Salue Marie" (1985), do francês Jean-Luc Godard, se tornou célebre pela narrativa cinematográfica e não pela polêmica de ter sido vetado pelo Vaticano? Ou ainda o marketing do Manifesto Dogma 95, dos jovens realizadores dinamarqueses que impunham uma série de mandamentos para suas produções.

E quer saber, isso não é de todo ruim, o problema é esquecer que lá no fundo todo filme é uma pretensa obra de arte e assim sendo, precisa ser dissecado. "3 Efes", de Carlos Gerbase entra nessa corrente. É um dos primeiros filmes a ser lançado em diferentes mídias ao mesmo tempo: televisão, salas de cinema digital, DVD e internet. Felizmente, Gerbase, que é inegavelmente um dos realizadores mais importantes do estado, e ainda não tem boa repercussão no Brasil, seja do público ou crítica, meteu o dedo na ferida e diz que faz cinema, seja ele captado pela bitola que for, super-8, 16mm, 35mm, digital, ou o escambau.

"3 Efes" conta a história de uma série de personagens, interligados pela teoria do professor Valadares. Para ele, a humanidade depende de três apetites: fome, fasma e foda. Fome e foda não precisam de explicação. Mas fasma, pra quem não sabe, é o apetite de imitar a vida, assim como ocorre nos sonhos, pesadelos, fantasias, e claro, nos filmes. Revendo a filmografia de Gerbase, 3 Efes parece ter sido gestado como uma seqüência natural aos curtas-metragens "Deus ex-Machina" (1995) e "Sexo & Beethoven" (1997). No entanto, entre os curtas e "3 Efes" vieram os longas "Tolerância" e "Sal de Prata".

Nem "Tolerância" (2000), nem "Sal de Prata" (2005) tiveram a recepção idealizada. Não abarrotaram salas de cinema, não causaram frisson da crítica. Mas "3 Efes" é diferente, já nasce despido de toda pompa. Nasce mais como desejo de um cineasta que precisa fasmar como louco, sem se preocupar com o dia seguinte, com a bilheteria, com as péssimas críticas nos jornais. '3 Efes" não é uma obra-prima. Gerbase não ficará eternamente conhecido pela jogo de cena, nem pela estética, tão pouco pela harmonia do conjunto de atores.

Só que "3 Efes" é a justa medida do cineasta que revê sua obra e parece ter reencontrado o caminho que sempre perseguiu e lhe deu prazer. Não é só porque o filme fala e mostra sexo, a tal foda dos 3 efes, nem porque expõe os casais da história aos defeitos e contradições que em última instância refletem as vidas de todos nós, pobres mortais. "3 Efes" é coerente com Gerbase, porque revela a sua maneira de perseguir a vida dentro do cinema: arriscando, experimentando. Com simplicidade, sem perder de vista as viagens pretenso-filosóficas, e lirismo, temperado com boas doses de sarcasmo para não virar piegas.

Aqueles três acordes da vida como Replicante mostram-se imprescindíveis nessa retomada de Gerbase. Mesmo que pareça tão delirante quanto aquele refrão: "Os cegos também vão ao cinema", do LP "Andróides Sonham com Guitarras Elétricas", do tempo em que Gerbase virou vocalista dos Replicantes. Com 3 acordes ou 3 efes, Gerbase parece sedento por um mosh, louco para voar de braços abertos para a platéia. Estejam os espectadores abertos ou não ao seu irrequieto e incansável desejo de fasmar. Enfim, mais um filme punk do Gerbase.

Casa de Cinema, comédia dramática, 100min, 2007.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

CARLÃO METE A BOCA

Leiam porque vale a pena o desabafo do Carlos Reichenbach...

"Como bem afirmou a montadora Cristina Amaral, após o impacto da premiação de Brasília 2007, festival de cinema brasileiro que envolve dinheiro na premiação, está virando turfe, com direito a rixas entre pangarés (nas quais eu me incluo) e até a claque contratada e organizada (na qual eu nunca me incluí). Cometi a mesma besteira que fiz com GAROTAS DO ABC, e aceitei (convencido por pessoas próximas) entrar na competição de Brasília. Acho que a cuspida que me deram (se não foi coisa pior) foi mais que merecida".
(...)

"Sei que a decisão é injusta para com os técnicos e atores que irão trabalhar comigo futuramente, mas eu prometo: de festival brasileiro com prêmios em dinheiro, meu caro Nirton, eu não participo nunca mais!".

"EM TEMPO - Gostei demais de CLEÓPATRA, MEU MUNDO EM PERIGO e ANABAZYS."

Esse é o Carlão, assim como Julio Bressane, um mal necessário ao cinema.

E vamo que vamo.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

AINDA SOBRE SCHENATTO

O Márcio Schenatto foi a Flõ com outro curta, além do "Kylmair".

"Menino Lipe, Cachorro Sabão", estranho filme singelo sobre um menino e seu cãozinho, falado em dialeto, preto e branco, e coisa e tal, foi comparado pela Bia Werther, inventora do Flõ, com os filmes do Truffaut.

Mas áaah!

VENCEDORES DE BRASÍLIA

Saiu a lista dos vencedores do 40º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Bressane foi vaiado pelo prêmio de melhor filme por "Cleópatra". Não via inda, mas tem jeito de que vou gostar.

De tabela, Alessandra Negrini, a Cleópatra, também foi vaidada pelo prêmio de melhor atriz.

Já o melhor filme pelo júri popular foi para "Chega de Saudade", de Laís Bodansky, que levou ainda o de melhor direção.

O cinemeiro de poesia, Joel Pizzini, ganhou o prêmio especial do júri, por "Anabazys".

PRÊMIOS OFICIAIS - TROFÉU CANDANGO

LONGA-METRAGEM 35MM
Melhor Filme – R$ 80.000,00
CLEÓPATRA, de Julio Bressane

Melhor Direção - R$ 20.000,00
LAÍS BODANSKY por Chega de Saudade

Melhor Ator – R$ 10.000,00
EUCIR DE SOUZA por Meu Mundo em Perigo

Melhor Atriz - R$ 10.000,00
ALESSANDRA NEGRINI por Cleópatra

Melhor Ator Coadjuvante – R$ 5.000,00
MILHEM CORTAZ por Meu Mundo em Perigo

Melhor Atriz Coadjuvante - R$ 5.000,00
DJIN SGANZERLA por Falsa Loura

Melhor Roteiro – R$ 10.000,00
LUIZ BOLOGNESI por Chega de Saudade

Melhor Fotografia – R$ 10.000,00
WALTER CARVALHO por Cleópatra

Melhor Direção de Arte – R$ 10.000,00
MOA BATSON por Cleópatra

Melhor Trilha Sonora – R$ 10.000,00
GUILHERME VAZ por Cleópatra

Melhor Som – R$ 10.000,00
E ainda Prêmio Dolby: consiste na licença para usar o sistema de som Dolby (equivalente a 4 mil dólares)
LEANDRO LIMA por Cleópatra

Melhor Montagem - R$ 10.000,00
RICARDO MIRANDA por Anabazys

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI
ANABAZYS, de Paloma Rocha e Joel Pizini

CURTA-METRAGEM EM 35MM
Melhor Filme - R$ 20.000,00
TRÓPICO DAS CABRAS, de Fernando Coimbra

Melhor Direção – R$ 10.000,00
LEONARDO LACCA por Décimo Segundo

Melhor Ator – R$ 5.000,00
WOLNEY DE ASSIS por Enciclopédia do Inusitado e do Irracional

Melhor Atriz – R$ 5.000,00
LARISSA SALGADO por Trópico das Cabras

Melhor Roteiro – R$ 5.000,00
CAMILO CAVALCANTE por O Presidente dos Estados Unidos

Melhor Fotografia – R$ 5.000,00
LULA CARVALHO por Trópico das Cabras

Melhor Montagem – R$ 5.000,00
LUIZ GUIMARÃES DE CASTRO por Eu sou assim – Wilson Batista

CURTA OU MÉDIA OU LONGA-METRAGEM EM 16MM
Melhor Filme – R$ 15.000,00
CONVITE PARA JANTAR COM O CAMARADA STALIN, de Ricardo Alves Junior

Melhor Direção – R$ 10.000,00
RICARDO ALVES JUNIOR por Convite para jantar com o Camarada Stalin

Melhor Ator – R$ 5.000,00
ARDUINO COLASSANTI no filme Esconde Esconde, de Álvaro Furlan

Melhor Atriz – R$ 5.000,00
SUZANNA KRUGER no filme Esconde Esconde, de Álvaro Furlan

Melhor Roteiro – R$ 5.000,00
ALVARO FURLONI, pelo filme Esconde Esconde

Melhor Fotografia – R$ 5.000,00
TOMAS PERES SILVA, Convite para jantar com o Camarada Stalin, de Ricardo Alves Junior

Melhor Montagem – R$ 5.000,00
MARINA MELIANDE, por O LABIRINTO, de Gleysson Spadetti

Premio Especial do Júri para O CRIADOR DE IMAGENS, de Diego Hoefel e Miguel Freire

Menção Honrosa para SISTEMA INTERNO, de Carolina Durão

PRÊMIO JÚRI POPULAR
Melhor longa-metragem em 35mm – R$ 30.000,00
CHEGA DE SAUDADE, de Laís Bodansky

Melhor média ou curta-metragem em 35mm – R$ 20.000,00
EU SOU ASSIM - WILSON BATISTA, de Luiz Guimarães de Castro

PRÊMIO DA CRÍTICA
Troféu Candango

Melhor Longa 35mm
Pela excelência de uma realização que evidencia a disposição em correr riscos, a exemplo da ousada concepção da trilha sonora, da câmera e da fotografia, o prêmio da crítica em longa-metragem 35mm vai para:
MEU MUNDO EM PERIGO, de José Eduardo Belmonte

Melhor Curta 35mm
Pelo apuro de sua montagem, a força da expressão de seus personagens e os contrastes de sua história sobre a desconstrução de um amor exaltado pela melancolia de uma viagem silenciosa pelo abismo cotidiano, o prêmio da crítica em curta-metragem 35mm vai para:
TRÓPICO DAS CABRAS, de Fernando Coimbra

terça-feira, 27 de novembro de 2007

SALVE KYLMAIR, SALVE SCHENATTO

Um dia eu conto a verdadeira história do encontro (nada libidinoso) entre Kylmair, mais conhecido como Ligeirinho, e o videasta Márcio Schenatto. Mas isso só quando eu tiver um tempo pra ficar divagando.

Agora é hora de informação, e informação tem prioridade. O documentário "Kylmair", dirigido por Márcio Schenatto ganhou mais um prêmio. Foi eleito como o melhor filme pelo júri popular no Flõ - Festival de Porto Alegre.

LISTA DOS PREMIADOS:

- Ciber Espaço (Júri on Line): **BLOOD BROTHERS**, Maurício Fröhlich, Dois Irmãos-RS

- Prêmio 'Imersão': **SUBJETIVO**, de Erasmo Alcântara de Goiânia-GO

- Prêmio 'Sonidos' (Casa dos Cantos oferece estúdio pra gravação e edição de trilha para um curta):
**PORCOS NÃO OLHAM PARA O CÉU**, de Daniel Marvel, Gravataí-RS

- Prêmio 'Sujeira'': **O QUE SERÁ DA TV DIGITAL?**, de Adriana Veloso,Marcelo Reis e Richardson Pontone, BH-MG

- Prêmio 'Pequisa': **CASCADURA**, de Felipe Cataldo e Godot Quincas

- Prêmio 'Ousadia e Risco': Vídeo Terrorismo, de Vinicius Cabral, BH-MG

- Prêmio 'Contribuição'(TeleImage oferece 5 horas de Telecine Off Line e 10 horas de Edição de Som):
**NOTURNA**, Felipe Vernizi, Caraguatatuba-SP.

- Prêmio 'Inovação' (APEMA Porto Alegre oferece 5 mil reais em serviços para até 5 diárias):
**LULA A DORÉ**, Rafael Schiliting, Florianópolis-SC

- Prêmio 'Filme de Aluno': **UM FILME CHAMADO SFINCTER', Zeca Brito, Porto Alegre - RS

- Prêmio do Júri Popular: **KILMAIR** - de Marcio Schenato - Caxias do Sul-RS

- PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI:
O FILME DO FILME ROUBADO DO ROUBO DA LOJA DE FILMES - Marcelo Yuka, Júlio, Pecly e Paulo Silva, RJ-RJ
GALÁPAGOS - Fernando Secco, Niterói-RJ
ETERNAU - Gustavo Jahn, Florianópolis - SC
CLACK BOOM - Bruno Graziano, SP-SP

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

PAMPA ESTRANHO PAMPA QUE DE CERTA FEITA ESCONDIA BLAU

Se Blau Nunes anda divagando pampa afora, ninguém sabe. Nem mesmo André Costantin, documentarista caxiense que recém lançou "Blau Nunes, O Vaqueano", seu segundo filme selecionado pelo prêmio DOC TV. O documentário será exibido hoje (15/10) e amanhã (16/10), às 20h, na Sala de Cinema Ulysses Geremia (Centro de Cultura Ordovás, em Caxias). A entrada é franca.

"Blau Nunes, O Vaqueano" poderia ser só uma tentativa de personificar essa mítica figura que ninguém sabe se existiu ou foi só um espectro de Simões Lopes Neto. Só isso bastaria. No entanto, Costantin vai mais além. Aproxima dois distantes universos. Aproxima as contradições daquele passado poético e lendário de Lopes Neto (ou seria Blau Nunes?) com o tempo atual, e estabelece um diálogo com esse gaúcho estranho, que mesmo à cavalo parece léguas distante do pampa.

Blau é retratado nesse descampado. Solito. Crava o pé na pedra, acomoda o cotovelo no joelho, a mão no queixo, e olha ao longe, procurando uma pista qualquer do sentido do gaúcho. Um ator interpreta Blau, que interpreta o pampa sob a luz de Simões Lopes Neto, que é revisto por Costantin na voz de Vitor Ramil. É inquieta e reveladora a construção dessas múltiplas vozes. Mais delirante ainda é o diálogo entre duas fortes e determinantes imagens:

1) daquele pampa dos raios de sol atravessando as densas nuvens, de Blau;

2) da Pelotas (terra que parece perdida no tempo) chuvosa e serena, de Ramil;

A primeira, é recriada por Costantin. É aquela densa imagem do pampa que não precisaria ser filmada, porque todos, que de alguma forma, tiveram um mínimo contanto com a cultura gaúcha, têm impregnada na retina. O horizonte sem fim, enquadrando nos limites do céu nebuloso, acima, e da grama verde, abaixo. O gaúcho valente, guerreiro e truculento, ou o gaúcho apaixonado, acolhedor e honrado, só existe na memória de Blau. E passa a reencarnar na memória do espectador quando Costantin nos revela Blau nesse descampado do pampa do passado.

A segunda imagem nasce do olhar de Costantin pelo nosso tempo, seja da Pelotas (perdida no tempo) ou de Porto Alegre (mais veloz do que o próprio tempo). Começa por Pelotas, seguindo Ramil e sua estética que vem impregnada no tênis (não nas botas de couro) e arrasta-se pela América Latina. Entre as poças d'água na calçada, Ramil narra um certo desconforto, tenta reatar a lucidez perdida em alguma estância. Mas é mais poesia do que verborragia. É a imagem desse novo tempo, rápida, abrupta, câmera inquieta na mão, enquadramento relapso, passo ligeiro, chuva fina, sem fim.

Transitando entre esses dois cenários, do passado contemplativo, ao futuro vertiginoso, Costantin dá voz às histórias contadas por Blau Nunes (ou seriam documentadas por Simões Lopes Neto?). São colagens de depoimentos de gaúchos de todas as querências pontuadas pelo texto do escritor. Histórias de amor e morte, sem a tresloucada passionalidade de Julio Reny, mas com a veracidade do sangue escorrendo da ponta da faca. Tudo é verdade e ficção ao mesmo instante poético. Mesmo aquele amor conquistado com bravura, pode ser só um delírio de Blau Nunes.

Delírio ou não, Costantin não tem medo de revelar o truque que nos prende ao filme. Não é como chegar ao fim de uma jornada e perceber que não andamos um centímetro sequer. É mais denso e profundo, é dar-se conta da finitude do mito. Nem por isso, do seu completo esquecimento. No entanto, Blau segue, e seguirá eternamente, sendo velado à sombra de algum arranha-céu de alguma cidade desse rincão chamado Rio Grande. E nem mesmo a música de Ramil vai despertá-lo.

"Blau Nunes, O Vaqueano". De André Costantin. 52min, 2007.
Co-produção: André Costantin / Transe Imagem / TVE - RS / Fundação Padre Anchieta - TV Cultura

Publicado no blog Primeira Fila da Zero Hora, em 15 de outubro. Republicado aqui, por solicitação de butequim.

DIRETOR GAÚCHO PREMIADO NA ESPANHA

Rafael Figueiredo levou o prêmio de melhor diretor pelo curta-metragem "A Peste da Janice", sábado, na 33ª edição do Festival do Cinema Iberoamericano de Huelva, na Espanha.

Outros brazucas também foram premiados. "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", de Cao Hamburger, ganhou o Prêmio Especial do Júri; e Leonardo Medeiros foi escolhido o melhor ator, pelo filme "Não por acaso".

Enrique Fernández e César Charlone (meio-brasileiro, meio-uruguaio), receberam o prêmio de melhor roteiro original por "O Banheiro do Papa", co-produção entre Uruguai, Brasil e França.

Os longas-metragens premiados
* Melhor Filme: 'Luz Silenciosa', de Carlos Reygadas (México/França/Holanda)
* Prêmio Especial do Júri: `O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias' de Cao Hamburger (Brasil)
* Melhor Filme de Estréia: 'Maldeamores', de Carlos Ruiz y Mariem Pérez (Porto Rico/Reino Unido)
* Melhor Direção: Carlos Reygadas por 'Luz Silenciosa' (México/França/Holanda)
* Melhor Ator: Leonardo Medeiros por 'Não por acaso' (Brasil)
* Melhor Atriz: Sofía Gala por 'El Resultado del amor', de Eliseo Subiela (Argentina)
* Melhor Roteiro Original: Enrique Fernández e César Charlone por 'O Banheiro do Papa`(Uruguai/Brasil/França)
* Melhor fotografia: Paula Grandío por `La León', de Santiago Otheguy (Argentina)

Os curtas premiados
* Melhor Curta: 'Juanito bajo el naranjo', de Juan Carlos Villamizar (Colômbia)
* Melhor Direção: Rafael Figuereido por 'A peste da Janice' (Brasil)
* Melhor Roteiro: Ana Paulina por 'Una muerte menor' (México)

40 ANOS EM 10 CURTAS

Só pra variar o Festival de Brasília faz tudo o que sonha vossa vã filosofia. Ou ainda: mais uma lição de Brasília para Gramado.

Na 40ª edição, Brasília lança o DVD "Festival de Brasília: 40 anos em 10 curtas" contendo os 10 melhores curtas-metragens exibidos no festival. Lógico, é a lista dos 10 curtas que os curadores, o cineasta Vladimir Carvalho, o jornalista Sérgio Moriconi e o coordenador geral do Festival, Fernando Adolfo, acreditam ser a melhor seleta da sua história. E com certeza vai ter muuuuita gente reclamando a falta deste ou daquele.

O certo é que o DVD é um documento importante e que acaba por registrar não só diferentes fases do curta-metragismo, bem como a trajetória do Festival de Brasília. O projeto conta com o apoio do Fundo Nacional de Cultura do Minc, viabilizando a produção de 1.200 DVDs que serão distribuídos gratuitamente em todo o país.

FILMES DO DVD

DÉCADA DE 60
"Blá... Blá... Blá...", de Andréa Tonacci. Ficção, p/b, 30min, SP, 1968
"À João Guimarães Rosa", de Roberto Santos. Documentário, p/b, 14min, SP, 1969

DÉCADA DE 70
"Simitério do Adão e Eva", de Carlos Augusto Calil. Documentário, cor e p/b, 19 min,SP, 1975
"Brinquedo Popular do Nordeste", de Pedro Jorge de Castro. Documentário, cor, 25min, DF, 1977

DÉCADA DE 80
"Meow", de Marcos Magalhães. Animação, cor, 8min, RJ, 1981
"Porta de Fogo", de Edgard Navarro. Ficção, cor, 27min, BA, 1985

DÉCADA DE 90
"Maracatu, Maracatus", de Marcelo Gomes. Documentário/ficção, cor, 14min, PE, 1995
"Mr. Abrakadabra!", de José Araripe Jr. Ficção, p/b,13min, BA, 1996

DÉCADA DE 2000
"Rua da Amargura", de Rafael Conde Ficcão, cor, 15min, MG, 2003
"Rap, O Canto da Ceilândia", de Adirley Queiroz. Documentário, cor, 15min, DF, 2005

Mais no site do projeto: www.cultvideo.com.br

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

BRAZUCAS EM HAVANA

Saiu a lista dos filmes selecionados para o 29º Festival del Nuevo Cine Latinoamericano de Havana, que ocorre entre os dias 4 e 12 de dezembro, em Cuba. E tem gaúcho na lista. Wood & Stock: sexo, orégano & rock'n' roll, de Otto Guerra, concorre no concurso de animação.

Se vai ter ou não fumaceira ainda não sei, só sei que o Otto vai revirar todos os butecos de Havana em busca da Polar.

Na principal categoria, longas de fição, o Brasil entra com seis filmes. Até o Cobrador: In God We Trust, de Paul Leduc, co-prudção entre Espanha, Argentina, Grã Bretanha e Brasil, entrou na vaguinha brazuca.

CONCURSO DE FICÇÃO:
* A Via Láctea (Lina Chamie)
* Baixio das bestas (Claudio Assis)
* Cobrador: In God we trust (Paul Leduc) Espanha, Argentina, Grã Bretanha, Brasil
* Deserto feliz (Paulo Caldas)
* O ano em que meus pais sairam de ferias (Cao Hamburger)
* O cheiro do ralo (Heitor Dhalia)


CONCURSO DE PRIMEIRO E SEGUNDO FILMES (OPERAS PRIMAS):
* A casa de Alice (Chico Teixeira)
* A ilha da morte (Wolney Oliveira)
* Mutum (Sandra Kogut)
* O grão (Petrus Cariry)
* Querô (Carlos Cortez)


CONCURSO DE DOCUMENTÁRIOS:
* Acidente (Cao Guimaraes, Pablo Lobato)
* Câmara viajante (Joe Pimentel)
* Descaminhos (Marilia Rocha, Luiz Felipe Fernandes, Alexandre Baxter, Joao Flavio Flores, Maria de Fatima Augusto, Leandro HBL, Armando Mendz e Cristiano Abud)
* Filipe (Margarita Hernandez)
* Jardim Ângela (Evaldo Mocarzel)
* Saba (Thereza Menezes, Gregorio Graziosi)
* Santiago (Joao Moreira Salles)
* Stela do Patrocínio - A mulher que falava coisas (Marcio De Andrade)


CONCURSO DE ANIMAÇÃO:
* Calango! (Alexandre Camargo)
* Crisálidas (Fernando Mendes)
* Dominós (Daniel Schorr)
* Engoleduaservilhas (Marcelo Marao)
* Garoto cósmico (Ale Abreu)
* Mercúrio (Savio Leite)
* Na corda bamba (Marcos Buccini)
* Vida Maria (Marcio Ramos)
* Wood & Stock: sexo, orégano & rock'n' roll (Otto Guerra)


CONCURSO DE FICÇÃO (CURTA E MEDIO-METRAGEM):
* Alguma coisa assim (Esmir Filho)
* O.D. - Overdose digital (Marcos DeBrito)
* Outono (Pablo Lobato)
* Quando o tempo cair (Selton Mello)
* Terra Prometida (Guilherme Castro)
* Trecho (Clarissa Campolina, Helvecio Marins Jr.)
* Um ramo (Juliana Rojas, Marco Dutra)


CONCURSO DE ROTEIROS INÉDITOS:
* Amor, Água Y Az Car, Gabriella Mancini
* Cupuaçu, Iana Cossoy Paro
* O filho da puta, Carla Guimaraes de Andrade


PANORAMA LATINO-AMERICANO (FORA DE CONCURSO):
* Achados e perdidos (José Joffily)
* Batismo de sangue (Helvécio Ratton)


SECÇÃO INFORMATIVA (DOCUMENTÁRIOS FORA DE CONCURSO):
* À margen do concreto (Evaldo Mocarzel)
* Cartola (Lírio Ferreira, Hilton Lacerda)
* Construção (Cristiano Burlan)
* Elevado 3.5 (Paulo Pastorelo, Maira Santi Buhler, João Sodre)
* Fabricando Tom Zé (Decio Matos, Jr.)
* O desafio de Zezão (Patricia Cornils)
* O engenho de Zé Lins (Vladimir Carvalho)
* O homem da árvore (Paula Mercedes)
* O homem-livro (Anna Azevedo)
* Oficina Perdiz (Marcelo Diaz)
* Tres irmãos de sangue (Ângela Patricia Reiniger)
* Um dia, um circo (Marcelo Laffitte)
* América minada (Vinicius Souza, Maria Eugenia Sa)


FORA DE CONCURSO:
* Tabaco (Renata Silva Meirelles Teixeira)

Confira a seleção completa aqui.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

CLIPE NA IMPRENSA 2

Olha aí, agora saiu materião no site do Kzuka falando sobre o clipe, contando alguns detalhes de produção, cenas de bastidores. Quem assina a matéria é o estagiário de produção e espião (sic) Marcelo Andrighetti.

Leia aqui.

CLIPE NA IMPRENSA

Ó, na coluna 3por4 de hoje o jornalista Carlinhos Santos publicou uma nota falando do clipe.

Leia aqui.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

THE END

Ok, that's all folk's.





Vou-me embora pra Passárgada, dormir um pouco e voltar a sonhar com manequins invadindo o mundo.

BASTIDORES DO CLIPE 9

O dia em que o macaco saiu pilotando a Mercedez. Pô, Paulinho, obrigado pela brava participação no clipe. Abrazzo

BASTIDORES DO CLIPE 8

E a tal Kombi? Esse é o carro que levou a banda aos lugares mais lindos da cidade. Nada de imagem turística. Só a podreira mesmo.

BASTIDORES DO CLIPE 7

Enfim o derradeiro dia. Por um lado é bom, mas que merda, acabou. Dá aquela ressaca e tal, mas fazer o que. É esse o ciclo. E que venham outros. Desde sábado, dia 17, estivemos mergulhados como velhos loucos e famintos nessa deliciosa e delirante produção.

Teve um monte de planejamento e outro tanto de improviso, ainda bem. E o mais interessante foi perceber que todos os envolvidos estavam realmente interessados no processo. Porque não é só um clipe, é um clipe que um bando de gente acredita ser a melhor expressão da banda neste momento. E para a música escolhida, lógico.

Desde os figurantes, da Fefa ao Mércio, passano por todas as gamas de beleza, disrepância, bizarrice, e o escambau, mas tudo com honestidade; do Pepe Pessoa e a Dai, que criaram a arte, baseado em muita conversa, tira daqui e põe dali, arranjaram objetos, transformaram um quarto de hotel numa locação perfeita pra cena do menino, e por aí vai; e teve ainda a Janete, na direção de fotografia, sempre pontual, sempre com boas saídas, trabalho simples, sem muito lerolero, e que dá um resultado muito bom; e a produção com Maneka, Letícia e Marcelo, que bela trinca, e isso que a gente quase perdeu a Letícia, porque ela anda na pré-produção de um longa-metragem, em POA, mas aí o Maneka entrou e deu conta do recado.

Agradeço a todas as pessoas que emprestaram manequins, roupas, objetos, suas casas, carros...agradeço a dedicação de toda a equipe, cada um teve um papel super importante. Muito boa tb a supresa de contar com o Leandro Badalotti, um cara que felizmente tá terminando seu documentário, e um cara que é sempre bom conversar sobre cinema.

Agora virá a edição, com o Lissadro Stallivieri, um cara que admiro, sempre quis trabalhar junto, e que mais uma vez vai dar conta de reorganizar toda essa demência que fervilhava pela minha cabeça e foi filmada para o clipe.

abrazzzos
muito obrigado a todos
e até a próxima

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

BASTIDORES DO CLIPE 7

Tava devendo a inormação. O nome do ator que faz o papel de um jovem que adora os Ligantes e odeia os pais que ele tem, se chama Franco Sartori.

Eis o cara, mais uma vez. E olha, nunca tinha trabalhado com ele, mas o guri me surpreendeu.

Obrigado, Franco. Até o próximo trabalho.

BASTIDORES DO CLIPE 7

Esse é mesmo um mundo estranho. Isso não é uma cena do clipe, é a vida real, sem filtros e nada na lente.

Da esquerda para a direita: Luciano Paim (baterista), Esqueleto (vocalista), Sandrinha (atriz), e atrás, Mércio (o astro).

BASTIDORES DO CLIPE 6

Só pro Esqueleto não ficar com ciúmes, eis a foto dele, grandão, posando de verdadeiro magnata.

BASTIDORES DO CLIPE 5

A vida é dura, mas vale a pena. Que o diga o Mércio. O cara trabalha o dia toda, a semana toda, no bar do Cursão. No final de semana vai jogar um sinuquinha com os amigos, anda pelas ruas chutando latinhas de ceva, e vai nos melhores shows de rock da cidade. É o roadie oficial dos Ligantes. E fazendo jus ao seu dedicado trabalho à banda, resolvemos que ele seria o astro principal da festa. No clipe, ele tentava traçar todas as meninas, mas só levou fora. Nem por isso, deixou de curtir o show. Um brinde, saudoso Mércio.

- Ô, Mugnol tira uma foto comigo do lado da mina mais gata da festa. Essa eu preciso registrar no álbum da minha vida.

- Ô, ô...agora tira uma foto minha beijando essa mina aqui...


BASTIDORES DO CLIPE 4

Domingo é dia de ficar com a família. E isso também vale para as casas noturnas especializadas em diversão para pais estressados e noivos entediados. Sendo mais direto, isso também vale para a putaria. Dizendo com palavras mais bonitas e relembrando uma gloriosa fase da música brasileira, "saudosa maloca, maloca querida". E o que seria da humanidade sem sexo, sem aquele proibido, e fora do casamento. Quantas famílias são alimentadas porque uns e outros saem por aí redistribuindo a renda?

Pois bem, como uma homenagem a esse mundo fabuloso da redistribuição de renda, da vida em família, da putaria desenfreada e do sexo selvagem com meninas bem prestativas, a produção do videoclipe invadiu o Cassino, no domingo a tarde. Para trabalho. Apenas trabalho. Não havia expediente interno. Pois bem, e prosseguindo, entramos lá para gravar mais uma cena do videoclipe. Ceninha um tanto bizarra, mas interessante. Pra não entregar muito o jogo só vou colocar uma foto, que não diz quase nada.

domingo, 18 de novembro de 2007

BASTIDORES DO CLIPE 3

O Esqueleto deu um certo trabalho, mas depois que cravou os dentes num xisão ele ficou bem quietinho.

- Bah, fazia uns dois dias que eu não comia direito...


BASTIDORES DO CLIPE 2

Segundo dia. Aliás, primeiro, porque o primeiro "de verdade" falhou.
Cena no quarto do menino, cena do banheiro e cena da sala de jantar. Atores, um guri tri bom, que infelizmente esqueci o nome, mas depois prometo verificar a informação, um casal de manequins (esses de vitrine) com dois filhos pequenos (tb manequins) e o Paulinho, vestido com a máscara do macaco.
Ah, e claro, a banda. Primeira cena com a banda. Na hora marcada, aliás, meia-hora depois da marcada, chegam Pubby, Luciano e Esqueleto, ah, e o Mércio, que não é da banda, mas é da família. E uma hora depois do trio chega o empresário e baixista Parisoto. Figurino no corpo, ensaio e tal, hora de gravar.
Primeiro o piá, vendo tv no quarto.


Depois, a banda invade o quarto do piá.

então vem o macaco no banheiro

e enfim, fomos pra outra locação pra gravar a cena do jantar da família



BASTIDORES DO CLIPE 1

Ou ainda: a cena que não foi. Ainda não foi.

Tudo marcado para começarem as gravações na sexta-feira. Porém, e como dizia Plínio Marcos, sempre haverá um porém, o que era pra ser não foi. Depois de uma pré-produção de quase duas semanas, efim iríamos gravar na sexta, dia 16, mas aí furou. Furou o empéstimo do principal carro que utilizaríamos. Em uma das cenas a banda, assim como no filme do Tonacci, os quatro rapazes ligados iriam trafegar pelas ruas da cidade, por lugares decadentes, por lugares depredados dessa linda cidade querida, palco da Festa da Uva, carro chefe da Capital da Cultura, mas não conseguimos o carro que seri ausado pra banda.

O Maneka, que tá produzindo o clipe, que na real é um curta, tinha agendado tudo certinho, mas aí, o tal cara do carro, que ainda bem não sei o nome senão citaria aqui com alguns palavrões, resolveu sumir da cidade querida, palco da Festa da Uva, carro chefe da Capital da Cultura, e desligar o celular. Tudo bem, desfeitos do susto e do balde água fria, resolvemos esquentar a cabeça bebendo cerveja.

E como tudo na vida se resolve de cabeça quente encontramos o macaco no São Patrício. Explico, é que no clipe que é um curta, assim como no filme do Tonacci, tem um cara que veste uma máscara de macado. No filme é o Peréio, e teríamos de encontrar alguém a altura, alguém que medisse mais de 1m78. E encontramos na nossa mesa, nosso amigo de brindes, nosso amigo de festinhas proibidas na escola da vida. Paulinho, um cara bem apresentado, cabelo bem cortado e moreno, porte de modelo.

-Vai fazer o que amanhã, Paulinho?
- Nada, por que?
- Tu vai ser o nosso macaco?
- Que??????
- É pro clipe da Ligante. Tu só terá de ir no banheiro com uma máscara de macaco, fazer a barba no espelho e cantarolar uma música do Ray Connif.
- Tá, beleza. Que horas amanhã?
- Ah, o Maneka te explica depois.

BASTIDORES DO CLIPE

Esse negócio fazer videolcipe é uma cachaça que não se vende a qualquer preço. Não tem em qualquer esquina, nem é fácil encontrar um bom contrabandista. E só uma bicadinha basta pra ficar ligadão, e querer mais, sempre mais. E antes que eu começasse a ver bebezinhos engatinhando pelo teto, quase delirando da secura da cana, eis que a Ligante Anfetamínico me convida pra dirigir mais um videoclipe.

Conversa vai, conversa vem, e eu bem louco com a idéia passei a delirar antes do delírio da secura da cana. Dito e feito. Já que a Ligante é punk, nada mais sincero e de acordo do que produzir um clipe sob a aura do cinema marginal. Porque o cinema marginal nada mais é do que a atitude punk, na tela. E só pra avacalhar mais, o clipe seria um curta-metragem em homenagem ao filme "Bang-Bang", do Andrea Tonacci.

Ah, a música, claro. A música escolhida foi "Andróides Sonham com Guitarras Elétricas", composição do Pubby, guitarrista da Ligante, cujo título é outra homenagem. "Andróides Sonham com Guitarras Elétricas" é o nome de um disco dos Replicantes, lnaçado no comecinho dos anos 90 e que contava pela primeira vez com os vocais de Carlos Gerbase, que assumiu o posto de front man com a saída de Wander Wildner.

Homenagem é como brinde, não pode ser banalizado. Por isso, um brinde a Ligante, ao Repli, e a Tonacci.

Até daqui a pouco.

sábado, 3 de novembro de 2007

estrangeiro

O Zuzuwah é estrangeiro, mas tão estrangeiro, que suas músicas fazem cada vez mais sentido em Caxias. Não que elas não possam ser escutadas longe daqui. De fato, quem mais cola o ouvido na sua batida estranha, entrecortada com guitarras viajantes, e melodias de sopro assobiáveis, são os estrangeiros.

Gente que mesmo vivendo sob a neblina serrana está plugada numa sonoridade globalizada. Da fusão de estilos e gêneros, aparentemente dissonantes, mas que, reorganizadas, e bem trabalhadas, parecem ter surgido da mesma raiz. Como o jazz e o drum'n'bass, por exemplo. Originariamente distantes, mas primos bem próximos dessa pós-modernidade infernal. No bom sentido.

Zuzuwah, guitarrista da Cabaret Hitec (hibernando) e saxofonista da Grelhados Passam Voado e Bacon 27, ataca novamente com o projeto solo, sempre em versão demo, batizado de Complexo Shanghai. Depois das bolachinhas The Mandarin Sessions (2005) e Busking (2006), é a vez de The Revolution Sessions (2007).

_ O disco tem influência da relação de amor e ódio entre Estados Unidos e a América Latina, passando pelo populismo e demagogia de suas lideranças até chegar na ensolarada Califórnia _ divaga Zuzuwah.

Algumas canções do novo álbum estão no site www.myspace.com/coletivoshanghai. Quem quiser comprar a bolachina pode procurar na banca 29, do Camelódromo. Custa R$ 10.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

set

Depois do bem sucedido curta-metragem Ana Cristina Perdeu a Memória, que tratava da infância, Ana Luiza Azevedo, entra no set para as filmagens do seu primeiro longa, Antes Que o Mundo Acabe. Pedro Tergolina, protagonista do curta, volta, dessa vez para encarar o personagem Daniel.

O filme, que tem roteiro da Aninha, em colaboração com Paulo Halm, Giba Assis Brasil e Jorge Furtado, é baseado em romance homônimo, de Marcelo Carneiro da Cunha. Conta a história de Daniel, um garoto de 15 anos, que convive com a mãe e o padrasto, um amigo acusado de um crime e uma namorada que não quer saber de namoro.

A produção segue até 2 de dezembro em Taquara, Rolante, Santo Antônio da Patrulha e Porto Alegre.

o sentido do amor

O senhor que é homofóbico e não consegue imaginar o amor entre dois homens, não assista ao filme Felizes Juntos. Porque se depois dos primeiros minutos o senhor suspeitar que esse universo lhe é mais próximo do que pensava, vai sair por aí culpando o cineasta chinês Wong Kar-Wai. E o pobre diretor não tem culpa de nada. Ele vive do ofício de contar histórias de amor. Sem pudor, porque assim são as verdadeiras histórias de amor.

Felizes Juntos faz parte da Coleção Lume, organizada pela empresa maranhense Lume Filmes, que pretende lançar dois DVDs por mês de filmes contemporâneos, sucessos de crítica nos cinemas do Brasil, mas ainda inéditos em DVD. O filme chinês é o terceiro da coleção, que tem ainda Felicidade (1998), de Todd Solondz, Na Companhia de Homens (1997), de Neil LaBute, e Reconstrução de um Amor (2003), de Christoffer Boe.

A trama de Felizes Juntos é simples e nada original. É centrada em dois homossexuais, Yui-Fai (Tony Leung Chiu-Wai) e Po-Wing (Leslie Cheung), que viajam de Hong Kong a Buenos Aires à procura das Cataratas do Iguaçu, uma espécie de quimera para uma nova vida. Até aí, nada de incomum, porque tem uma penca de filmes parecidos. O grande lance do filme é a maneira como Kar-Wai desenvolve a história. O nome do filme, Felizes Juntos, é, na verdade, uma armadilha para o espectador, que pode ficar ansioso em ver Fai e Po felizes e juntos.

E é justamente a inconstância, a incomunicabilidade e os encontros arredios que jogam com o sentimento do espectador. Mais ainda porque os movimentos de câmera, os cortes das cenas, a alternância fugaz de música (ora Piazzolla, ora Zappa) e silêncio reforçam essa relação fragmentada e incompleta de Fai e Po. Porque no final de tudo, mais do que um filme de amor, Felizes Juntos trata do sentido do amor na vida de cada um dos personagens.

Felizes Juntos, de Wong Kar-Wai
Coleção Lume, drama, 93min, 1997.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Com o dedo no gatilho*

"Tropa de Elite" virou uma febre, primeiro por ter vazado para a Internet e ser facilmente encontrado em qualquer camelô do Brasil. E segundo, porque trata da criminalidade e do tráfico de drogas a partir da visão do temido Batalhão de Operações Especiais (BOPE), do Rio de Janeiro.

Quando os camelôs do Rio de Janeiro começaram a vender o DVD de "Tropa de Elite" quase ninguém entendeu nada. Era só mais um filme de ação à disposição, por um precinho bem camarada. Mas aí um cara comprou, recomendou para o amigo que comparou com Cidade de Deus, e então veio outro dizendo que "Tropa de Elite" era ainda melhor. Esse boca-a-boca aumentou ainda mais o interesse pela cópia pirata, até porque o filme só seria lançado em novembro. Para driblar esse inconveniente, o diretor José Padilha resolveu antecipar às pressas o lançamento nos cinemas.

No primeiro final de semana de exibição nos cinemas de São Paulo e Rio de Janeiro, o filme levou cerca de 180 mil espectadores. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope (não confundir com BOPE) estima-se que entre 12 e 15 milhões de pessoas já viram "Tropa de Elite", seja em cópia pirata ou na telona. Para entender como é importante essa marca, o filme de maior público do cinema brasileiro na sua estréia é "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, lançado em 1976, com 12 milhões de espectadores.

Mas afinal de contas, por que "Tropa de Elite" vem causando todo esse alvoroço? O filme é muito bom. É inegável. Esfrega na cara do espectador uma dura realidade que não pode mais ser ignorada. Até aí, novidade nenhuma, porque tem uma penca de filmes importantes que ajudam a entender os problemas sociais do Brasil, não só pelo viés da criminalidade (leia box abaixo). A originalidade do filme, no entanto, reside no foco delimitado pelo diretor. O espectador é conduzido pelo ponto de vista do capitão Nascimento (Wagner Moura), do BOPE.

Contra a sua vontade, Nascimento é destacado para "apaziguar" o Morro do Turano. É que no filme o Papa João Paulo II visitaria o Rio de Janeiro e ficaria hospedado pertinho dali. E nada poderia acontecer a Sua Santidade, lógico. Ao mesmo tempo, Nascimento corre contra o tempo para encontrar um substituto. O capitão quer sair do BOPE porque anda estressado, sua mulher está grávida, e a relação entre eles esmorece a cada dia.

Voz do tédio
Nascimento é o narrador e protagonista. É sua a voz da indignação, do tédio de repetir todo os dias as mesmas tarefas e nada, absolutamente nada, ao seu redor modificar-se. O espectador fica sabendo por ele que a inoperância da Brigada Militar é o motor do BOPE. Porque quando nada mais adianta, quando a BM perde o controle, o BOPE é chamado para resolver tudo. Mas o BOPE nunca resolve tudo como se esperaria. Porque não adianta matar traficante e recuperar armas de grosso calibre. No dia seguinte, novos traficantes estarão no lugar dos mortos armados até os dentes.

A resposta desse descontrole, no entanto, não está em "Tropa de Elite", e sim nos documentários "Notícias de Uma Guerra Particular" (João Moreira Salles e Kátia Lund) e "Falcão, Meninos do Tráfico" (MV Bill e Celso Athayde). Nessas duas produções entende-se que há uma lista imensa de meninos ávidos por pegar em armas e lutar pelo "movimento", ou seja, meninos loucos para ser traficantes. Outro filme referencial e, de certa forma complementar para entender "Tropa de Elite", é "Cidade de Deus". Se o filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund, revelava a gênese do narcotráfico nas favelas, "Tropa de Elite", na visão do capitão Nascimento, disputa um jogo de duas caras com as classes média e alta.

Cinema não salva ninguém
Se de um lado, é bom para a elite econômica que o BOPE suba no morro para exterminar quem encontrar pela frente, contanto que esse sangue todo não espirre no asfalto, de outro, Nascimento tenta provar que o tráfico só existe porque os filhos dessa mesma elite continuam comprando maconha, cocaína e o escambau. Nascimento é enfático: "Quantas crianças a gente tem que perder para o tráfico só para que um playboy possa enrolar um baseado?".

Não espere uma luz no fim do túnel. "Tropa de Elite" é um minucioso tratado sobre a realidade, mas é só um filme. E cinema não salva ninguém. O que salva é investimento em segurança, educação, saneamento básico, saúde. Nascimento e sua tropa estão tão exaustos e desnorteados quanto a molecada que empunha fuzis nas favelas Brasil afora. Mas como diz o ex-capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, no documentário "Notícias de Uma Guerra Particular": "A única instituição do governo que sobe a favela é a polícia. Mas a polícia não pode fazer nada sozinha".



O LIVRO
"Elite da Tropa", foi escrito em 2005, por Luiz Eduardo Soares, André Baptista e Rodrigo Pimentel, com o roteiro do filme já em andamento. "Tropa de Elite" centraliza a trama no capitão Nascimento (Wagner Moura), mas o livro retrata diversas histórias de outros policiais do BOPE, preservando ainda suas identidades.
Editora Objetiva, 312 páginas. R$ 39,90 (sem o desconto de 20% da Feira do Livro).

PARA ENTENDER A CRIMINALIDADE NO BRASIL
Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977), de Hector Babenco
Notícias de Uma Guerra Particular (1999), de João Moreira Salles e Kátia Lund
O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas (2000), de Paulo Caldas e Marcelo Luna
Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund
Ônibus 174 (2002), de José Padilha e Felipe Lacerda
Carandiru (2003), de Hector Babenco
O Prisioneiro da Grade de Ferro (2004), de Paulo Sacramento
Falcão, Meninos do Tráfico (2006), de MV Bill e Celso Athayde

* reportagem publicada no jornal Pioneiro.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

ainda parece um transe

Paulo Autran amou o teatro como poucos, menosprezou a televisão e fez menos cinema do que desejou. Sua estréia ocorreu na Vera Cruz, com "Veneno" e "Apassionata", ambos de 1952. Na carreira atuou em cerca de 20 filmes. Seu mais recente é "El Pasado", de Hector Babenco. O filme abre a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, dia 18.

Quem viu "Terra em Transe" (1967), de Glauber Rocha, não esquece de um sem fim de cenas impressionantes e delirantes. Nem por isso, Paulo Autran se perdeu nessa profusão de desejos vertiginosos. Ele interpreta o Senador Porfírio Diaz, um tecnocrata que apoiou o presidente da República d'Eldorado. E lógico, prepara o terreno para suceder o "amigo".

Autran externaliza a ira daquele Glauber em transe, como poucos. Seja dentro da igreja, envolto pelas imagens sacras, seja no alto de um morro tremulando uma bandeira, em meio a uma forte ventania. Autran dizia que "Terra em Transe" era um dos melhores filmes da história do cinema brasileiro. Não à toa, era uma linguagem que se aproximava do teatro.

Da cinematografia recente, destacam-se "A Máquina" (2005), de João Falcão, e "O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias" (2006), de Cao Hambuger. Em "A Máquina", Autran parece buscar uma certa inspiração naquele transe de Glauber. O texto é voraz, o movimento de câmera impressionante, e Autran, como de costume, deixou a sua marca. O filme não seria o mesmo sem ele.

Em "O Ano", escolhido para concorrer a uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro, o ator faz apenas uma pontinha. Interpreta o avô do menino Mauro. Não há a eloquência, nem a sombra do transe de Glauber. E nem precisa. Em poucos minutos Autran nos conquista com aquele aura do avô que todo mundo idealiza. A morte do personagem é mais do que mis en'cene. Reveja "O Ano" e perceba o quanto dolorosa é a ida daquele avô. Ainda parece um transe. Mas é morte.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

o brasil vai com cao hamburger tentar ganhar o oscar

O ANO EM QUE MEUS PAIS SAIRAM DE FÉRIAS*
de Cao Hamburger
A história de Mauro (Michel Joelsas) um menino apaixonado por futebol que vai passar as férias na casa do avô, mas sente muita saudade dos pais. Essa é a melhor, e mais singela, definição para "O Ano em que Meus Pais Sairam de Férias", filme de Cao Hamburger. O pano de fundo é o Brasil em 1970, às vésperas da Copa do México. Tempo da ditadura dos fuzis e da polêmica se Tostão poderia jogar como um terceiro atacante no vibrante time brazuca.

"O Ano", diferentemente de outras produções sobre a ditadura no Brasil, como "Cabra Cega", "O que é Isso Companheiro?" e "Quase Dois Irmãos", é despretensioso. Não tasca na cara do espectador o discurso panfletário. Não quer rediscutir o trauma daquele passado delicado. E por isso mesmo, "O Ano" é um filme inquieto e provocativo. Atrai menos pelas rajadas de fuzis e raiva da militância de esquerda, e mais pelo olhar de Mauro, que flerta entre a solidão e a descoberta do desejo.

Antes que alguém grite lá do fundo da sala, "O Ano" não é um filme para criança. É sobre crianças. É sobre as descobertas de um garoto e como elas se equivalem para os outros personagens do filme, e por conseqüência, aos espectadores. Aliás, que roteiro bem amarradinho escrito por vários colaboradores, entre eles, a valorosa contribuição de Bráulio Mantovani (Cidade de Deus). Descobrimos junto com Mauro, que há mais gente engajada na resistência aos militares do que se imaginava. Mauro nos empresta seus olhos ainda para desvendarmos a cultura judaica, herança do avô (Paulo Autran).

Mesmo com tantas entrelinhas e sub-textos, em nenhum momento o filme desanda. A excelente reconstituição, desde pequenos objetos de cena, bem como automóveis, roupas e moradias, sustentam a verdade dessa história de mentirinha. Como está dito lá em cima, não espere um tratado recheado de citações intelectualóides. Não espere também ver o Zé Dirceu pegando em armas. "O Ano" é um filme para ver comendo pipoca. E mais, para ver Mauro descobrir como a vida pulsa além da janela do Fusca azul.

* Texto publicado na revista Almanaque em março de 2007.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

a banda do ano

Sábado à noite. A chuva enfim dava uma trégua. No estacionamento da Yes Music Hall cerca de 3,5 mil pessoas aguardavam ansiosamente pelo show da NX Zero. Tinha menina de salto alto e cabelo com chapinha, mas também tinha menina de jaqueta de jeans rasgada e piercing na língua. Em comum, a identificação com as letras das músicas desses cinco rapazes paulistas. Algo como: “essa música é a minha vida!”.

Larissa Leidens da Silva, 14 anos, era mais uma dessas meninas muito ansiosas por ver ao vivo a NX Zero. Larissa conheceu a banda ouvindo o CD “NX Zero”, lançado em 2006. De cara se apaixonou pelos caras que compuseram “Conseqüência”. A música não foi feita pra ela, mas é como se fosse, porque sublinhou muito bem uma estranha passagem da sua vida.

- Ouvi “Conseqüência” e me fez lembrar na hora do que tinha me acontecido – sorri, sem deixar pistas do que ocorreu.

Larissa só não sabia que a banda abriria o show tocando a sua música, ou melhor a canção que diz tanto sobre a sua vida. Esses caras de 20 e poucos anos (bem poucos mesmo), sabem muito bem o que dizer pra meninos e meninas como a Larissa, que começam a lidar com essa vida estranha vida, como diz a letra: “Eu nunca tenho certeza que estou / Totalmente certo ou realmente perto do que sou / Mas vou tentar “só viver” talvez assim na hora certa / Vou saber o que fazer e no que acreditar”.

Se alguém ainda tinha dúvidas de que a NX Zero é a “banda do ano”, como Charlie Brown Jr., Pitty e CPM22, foram em outros anos, precisava ouvir duas músicas apenas para dar o braço da torcer: “Razões e Emoções” e “Além de Mim”. As música inteiras, repito, inteiras, foram cantada com a ajuda da gurizada, aos berros. Larissa parecia não acreditar, mas eles estavam ali, pertinho dela. Desde sábado, sempre que ela vestir o All Star preto rabiscado com caneta nas bordas, aquela calça jeans com a camiseta vermelha e a jaquetinha de capuz, Larissa vai se lembrar do show de sábado.

Até quando? Tão incerto quanto os próximos passos da banda. Porque talvez em 2008 outros venham a ser “a banda do ano”. Larissa torce para que os caras da NX Zero continuem a compor músicas como se fossem pra ela. Como diz “Razões e Emoções”: “É que às vezes acho que não sou o melhor pra você / Mas às vezes acho que poderíamos ser / O melhor pra nós dois”. Ou como escreveu o poeta Vinicius de Moraes: “Que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”. E sem bis a NX Zero se foi.

* show do último sábado, em Caxias.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

árido movie


É impossível escrever sobre Árido Movie só como um filme, isolado do mundo, isolado da filmografia dos demais cineastas de Pernambuco. Árido Movie não é só o nome do filme de Lírio Ferreira, mas também o nome de batismo da produção cinematográfica dessa galera de Recife. É o mesmo que o manguebit para a cena musical da capital de Pernambuco, que lançou Chico Science & Nação Zumbi, mundo livre s/a., etc.

Lírio Ferreira é um desses cineastas que insiste em consolidar em Pernambuco uma carreira autoral _ mas nunca solitária. Com ele surgiram Paulo Caldas, Hilton Lacerda, Cláudio Assis, que encontraram no amazonense Marcelo Gomes, e no cearense Karim Aïnouz, mais do que parceiros, mas cúmplices na produção de filmes. A estréia em longa-metragem ocorreu em 1996, quando Ferreira e Caldas lançaram Baile Perfumado, vencedor dos princiais prêmios do Festival de Brasília daquele ano.
O mais interessante desse movimento é que os cineastas não se fecharam em apenas uma proposta estética. Não é como no Cinema Novo ou no Cinema Marginal, que estabeleciam uma espécie de cartilha de signos. Até existe uma certa relação entre os filmes, que de alguma forma procuram o mesmo: revelar a identidade cultural de Pernambuco. Mas é impossível encontrar uma relação profundamente estética entre Céu de Suely, de Karim Aïnouz, e Baixio das Bestas, de Cláudio Assis, por exemplo.

Árido Movie flerta com Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes. Mais pela viagem dos personagens por desterros do esquecimento, terras perdidas no meio do nada, do que pela história em si. Árido Movie conta uma conhecida trama marcada por crimes e vinganças. Mas com uma narrativa voraz, sem perder o certo encantamento, revelado pelas imagens poéticas durante a travessia de Jonas (Guilherme Weber), que parte de São Paulo, rumo a Rocha, no interior de Pernambuco para enterrar o pai, Lázaro, (Paulo César Peréio), que fora assassinado depois de mais uma boa noitada.

Divagando no meio do nada, Jonas acaba por reconhecer-se na estranheza daquela gente que ele não via desde os cinco anos, quando saiu de lá com a mãe, Stela (Renata Sorrah). De volta a Rocha, ele precisa decidir se aceita a sina da famíla do pai (amados e odiados na mesma medida), que há gerações impõe a lei do "cala a boca". Ao mesmo tempo, conhece Soledad (Giulia Gam) videasta que encontra nas pessoas mais simples de Rocha, a voz da sabedoria. Tudo isso, emoldurado pela terra seca do sertão sem fim. Mas um dia o "sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão", já dizia Antonio Conselhieiro.


Como "dança" o pessoal do árido movie... (só em longas)

Baile Perfumado (1996), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas
O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo Luna

Amarelo Manga (2002), de Cláudio Assis, com roteiro de Hilton Lacerda e Claudio Assis

Cinema, Aspirinas e Urubus (2006), de Marcelo Gomes*, com roteiro de Karim Aïnouz** e Paulo Caldas

Árido Movie (2006), de Lírio Ferreira, com roteiro de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda
Baixio das Bestas (2007), de Cláudio Assis, com roteiro de Hilton Lacerda
Cartola - Música para os Olhos (2007), de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda
Deserto Feliz (ainda inédito), de Paulo Caldas, com roteiro de Marcelo Gomes e Xico Sá

* Marcelo Gomes é amazonense mas sempre esteve próximo da turma do árido movie. Tem curtas em uma coletânea de filmes de Pernambuco
** Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz, com roteiro de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes
Céu de Suely (2006), de Karim Aïnouz

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Vai lá


ó, tem bons filme na sala de cinema Ulysses Geremias, do Ordovás, a partir de sábado, dia 15. é a seleta de filmes que foram premiados no CineEsquemaNovo - Festival de Cinema de Porto Alegre.

já escrevi aqui mesmo sobre o Conceição, Autor Bom é Autor Morto (foto acima). Leia, se tiver paciência.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A vida abestada de um velho safado


O Baixio das Bestas, que estréia amanhã (1º de setembro) na Sala de Cinema Ulysses Geremia, é a síntese do mundo cão. Revela com ira e lirismo a vida das pessoas de um vilarejo cravado no desterro do esquecimento. Há quem lute para para não ver as atrocidades que lá ocorrem, e quem sustente a moral de cuecas. E tudo pensado, arquitetado e com o rigor técnico de um dos cineastas mais interessantes da sua geração, o pernambucano Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga (2002).
O filme abre com cenas do filme Menino de Engenho (1965), de Walter Lima Jr., pontuadas pelas frases: "Há quem diga que o tempo vence no fim. Um dia ele engole a usina, como engole a ti e a mim". É o preâmbulo para Cláudio Assis enfiar seu dedo embebecido de merthiolate em cada uma das feridas ainda abertas. O filme relaciona a vida das mulheres do lugar, que sofrem todo o tipo de agressões, com a não menos desgraçada vida dos bóias frias que trabalham na colheita da cana.

Nesse cenário se passa a história de Auxiliadora (Mariah Teixeira), Seu Heitor (Fernando Teixeira) e Cícero (Caio Blat). Ela, uma menina de 13 anos explorada pelo avô, Seu Heitor, um moralista ambíguo, que em tudo vê falta de autoridade mas ganha dinheiro explorando sua neta. Por sua vez, Cícero, um jovem de uma conhecida família local, assiste ao drama de Auxiliadora e acaba seduzido por ela.
Preste atenção nas situações extremas. Os amigos Cícero e Everaldo (Matheus Nachtergaele), por exemplo, passam os dias digavando entre as ruínas de um velho cinema (onde tudo pode), o puteiro da vila (que disputa sediciosa entre Hermila Guedes e Dira Paes), e o banho de cachoeira. Assis conduz a amizade dos dois entre a porrada na mulherada e a sensibilidade de um carinho que nos leva a duvidar da macheza de Cícero e Everaldo.

Não procure o redentor nessa história, porque, como naquela canção de Assis Valente que versa sobre o Papai Noel, "com certeza já morreu / Ou então felicidade / É brinquedo que não tem".

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

um bom festival se faz com bons filmes

O Festival de Cinema de Gramado, cujos vencedores serão conhecidos sábado, anda mudando. Não aponta com clareza que novo caminho é esse. Ou seria uma tentativa de voltar no tempo e restabelecer sua importância? É cedo para saber. Porque talvez os frutos dessa colheita só virão em 2009 e por aí vai. E toda e qualquer argumentação da consultoria técnica (José Carlos Avelar e Sérgio Sanz) é parcial e não seriam eles a dar o tiro no próprio pé.

De toda forma, a seleção dos filmes já revela que algo mudou. Esse ano não tem um filme vexatório, que dá vergonha assistir, como “Sonhos e Desejos”, de Marcelo Santiago. Tem sim uma inclinação para o cinema autoral. Herança visível da interferência de Sanz e Avelar, que em 2006 convenceram Andréa Tonacci a inscrever “Serras da Desordem”, que acabou levando três Kikitos (fotografia, diretor e filme).

Dos seis filmes brasileiros e cinco latino-americanos em competição esse ano, a maior parte evidencia um olhar particular. Seja através de uma leitura político-social (“O Cobrador”), ou humanista (“Deserto Feliz” e “El Baño del Papa”), ou ainda experimental (“Otávio e as Letras” e “Castelar e Nélson Dantas no País dos Generais”). Mas tem cinema mais tradicional e nada inventivo, como “Condor”, “Cocalero” e “Valsa para Bruno Stein”.

Sempre é um tiro no escuro imaginar quem vencerá cada uma das categorias, porque nunca se sabe o que os jurados (oficial e popular) vão indicar como os mais representativos. Durante essas seis noites de competição, alguns filmes receberam uma reação mais calorosa do público: dos brasileiros, “Deserto Feliz”, de Paulo Caldas e “Olho de Boi”, de Hermano Penna, e dos latino-americanos, “O Cobrador”, de Paul Leduc, e “El Baño de Papa”, de Henrique Fernández e César Charlone.

Nessa revisão de final de festival, fica a impressão de que esse ano o cinema se sobressaiu ao tapete vermelho. Não por imposição de ninguém. É que nessa edição os atores do segundo escalão, que tentam sobreviver fazendo novelas na Record não conseguiram muita atenção. Tietagem de peso foi com Lázaro Ramos (infelizmente ainda mais conhecido como o Foguinho do que por personagens como Madame Satã), Zezé Motta (justa homenagem com o Oscarito), Marília Pêra (que veio a tiracolo com Eduardo Coutinho).

Quem não vê com esperança um novo Festival de Cinema de Gramado, é porque não consegue dissociar o trabalho de formiguinha que vem sendo realizado com paciência com Sanz e Avelar, do triste período das sofríveis premiações de “Gaijin – Ama-me como Sou”, de Tizuka Yamasaki, em 2005, “Memórias Póstumas”, de André Klotzel, em 2001, ou “Vida de Menina” de Helena Solberg, em 2004. Até porque, por mais estrelas que Gramado coloque a desfilar no tapete vermelho, um bom festival se faz com bons filmes. E bons filmes foram exibidos. Espera-se que sejam esses os premiados.

O público agradece.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

quarta noite de competição

Tapa na cara

Ontem foi a noite mais política do Festival de Cinema de Gramado. Na tela “O Cobrador – In God We Trust”, de Paul Leduc, e “Condor”, de Roberto Mader, abordavam sob pontos de vista bem diferentes, a interferência das ações políticas, algumas mais evidentes, outras endêmicas, do passado e do presente.

“O Cobrador” é mais uma prova de que para conhecer melhor que mundo é esse, repleto de interferências e influências da globalização, com choques estremados de desejos e necessidades, é preciso ver os filmes mexicanos. É invetável lembrar de “Babel”, de Alejandro González Iñárritu. Menos pela virulência e mais pela itinerância das histórias, espalhadas por Estados Unidos, Argentina, México e Brasil.

“O Cobrador” é mais porrada do que “Babel”. Literalmente. Já começa com o personagem de Lázaro Ramos (nominado como C) esbofeteando um dentista. E assim segue. Peter Fonda interpreta X. É um ricaço cheio de tédio e muito raiva, que adora atropelar mulheres indefesas. Ao mesmo tempo, Leduc costura essas tramas a outras tantas. Num momento as histórias se mesclam tanto que o espectador se confunde.

Mas é uma confusão que explicita esse mundo cada vez mais sedento de ar. Sufocados por sonhos improváveis, por uma vida que traga o mínimo de bem-estar os personagens C, de Lázaro e Ana, de Antonella Costa, estão empenhados em cobrar do mundo essa dívida. Entre os pedidos: “respeito, sorvete, camisas limpas e lágrimas limpas”. Tudo fruto do texto de Rubem Fonseca. Matéria prima desse inconstante mundo em decomposição. Política e moral.

Depois desse “tapa na cara”, o público conferiu o penúltimo concorrente brasileiro. “Condor” não tem o mesmo vigor, nem a mesma virulência, mas carrega nas costas o peso de um dos mais tristes capítulos da história da América Latina: a ditadura militar. O documentário disseca a Operação Condor, e mostra que o objetivo era prender, torturar e matar desafetos políticos.
O diretor Roberto Mader teve coragem de ouvir representantes da direita, entrevistou Pinochet Jr. e o general Manoel Contreras (braço direito de Pinochet).

Há momentos líricos, muito bem pontuados pela trilha sonora de Victor Biglione, mas alguns depoimentos pouco, ou em nada acrescentam. Fica a impressão de ser uma aula para quem desconhece o período, do que um documento que abre novos caminhos para a punição dos culpados.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

terceira noite

Estranha felicidade

Nem sempre a verborragia dá conta de explicar alguma coisa. Às vezes o silêncio é imperativo. Porque mesmo quando há muito pra se dizer, nem sempre é possível dizer só com as palavras. “Nascido y Criado”, de Pablo Trapero, e “Deserto Feliz”, de Paulo Caldas, exibidos ontem à noite na Mostra Competitiva, no Palácio dos Festivais, são bons exemplos disso.

“Nascido y Criado” revela, em um ritmo lendo e cadenciado, como se nunca estivesse acontecendo nada, a separação de uma família. A partir de um acidente automobilístico, Santiago (Guillermo Pfening) foge para um descampado no sul da Argentina. De uma forma sutil, quase sem palavras, alternando banalidades e situações de tristeza, solitude e medo, Santiago definha. Trancafiado em um dilema particular, se fecha para o mundo. Mas aí vem um telefonema banal e reata os pedaços espalhados da sua vida. E podia ter acabada aí, sem o previsível reencontro de Santiago e Milli (Martina Gusman).

Mesmo depois do intervalo e da homenagem a Zezé Motta, a inquietude seguiu durante a exibição de “Deserto Feliz”, do pernambucano Paulo Caldas (“Baile Perfumado”). Aliás, bem-vinda inquietude. Seguindo a mesma trilha da incomunicabilidade, Caldas conta a história de Jéssica (Nash Laila), menina de 15 anos que foge de casa e sobrevive como prostituta.
Nesse descaminho acaba encontrando Mark (Peter Ketnath) um turista de Berlin que a leva para a Alemanha. Essa relação que flerta entre o desejo, a paixão voraz, a troca de favores, deixa no ar um incômodo. Porque sempre fica a impressão do quase. Seria quase amor, quase abandono? Sentada à beira da cama Jéssica parece entregue a sina de uma estranha felicidade no deserto de Berlin.

segunda noite

Faca de dois gumes

A segunda noite da competição suscitou duas sensações. Inicialmente de alívio, porque os filmes exibidos ontem, “Cocalero” e “Olho de Boi”, são melhores do que os da primeira noite. Mas depois, veio aquele incômodo “e se for só isso”?

“Cocalero“, dirigido por Alejandro Landes, acompanha o então candidato à presidente da Bolívia, Evo Morales, nas eleições de 2005. Já de cara um inconveniente, como não chegou a Gramado a cópia em 35mm do filme, o público teve de se contentar com uma versão em DVD. Azar do diretor, que vai ter uma apreciação negativa do seu filme, porque a cópia digital tinha problemas de som e fotografia.

“Cocalero” não começa bem. Transita em diferentes pontos, chuta para todos os lados, como se quisesse entender para onde tinha de apontar. A câmera à espreita, quase nunca invasiva, o chamado cinema direto, é formalismo e proposta de linguagem narrativa. No entanto, pode também servir de escudo para a falta de idéias do diretor. Alejandro Landes só acompanha o nascimento do presidente Evo. Mas e aí, era só isso?

Como contraponto veio “Olho de Boi”, de Hermano Penna. O diretor sabia para onde ir, inclusive com quais ferramentas tinha de trabalhar. E arriscou. Pecou na resolução do conflito levantado, e no desenvolvimento da narrativa, mas tem apuro estético. O roteiro pretendia desenvolver uma história baseada na tragédia Édipo Rei, mas a plasticidade acaba se sobrepondo ao enredo.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Dois perdidos no Palácio dos Festivais

“CASTELAR E NELSON DANTAS NO PAÍS DOS GENERAIS”, de Carlos Prates, abriu o festival. O documentário é uma colagem de trechos de filmes realizados pelo Centro Mineiro de Cinema Experimental, na década de 70, em Minas Gerais. A estrutura é ousada, porque não apresenta os filmes como em um documentário tradicional. Prates tece as cenas desconexas como se fosse uma colcha de retalhos.

No entanto, essa abordagem diferenciada só confunde o espectador. É provocador, porque em nenhum momento explica de onde vem e para onde vai. Mas infelizmente o conceito narrativo e estético não encontra eco. Prates não tinha saída. Precisava contar a história desse movimento sem traí-lo. Não podia ser só mais um documentário. O que Prates não esperava era ser engolido por essa viagem vertiginosa e perder-se na profusão dos desejos.


“VALSA PARA BRUNO STEIN”, de Paulo Nascimento, veio logo a seguir. O filme abre com um lento plano desfocado. Aos poucos conseguimos visualizar as mãos de um homem amassando argila. A forma indefinida desse monte de terra instiga porque nos transporta a inconstância do personagem Bruno Stein (Walmor Chagas). Bruno trafega entre o mundo introspectivo que aflora nas esculturas e o cotidiano arrastado e tedioso.

Mas aí, perdoem o trocadilho infame, o filme avança e não anda. Se Bruno se vê quase perdido na inquietude dos sonhos, memórias e desejos; se a morte lhe persegue à espreita; se nem a palavra de Deus o aconselha mais, por que o filme não dá conta de assombrar o espectador com o triste fim que aponta a trama? Paulo Nascimento prefere a vaguidão que sugere esse descampado ao invés de jogar o espectador para dentro da alma confusa de Bruno.

Muita luz, poucas estrelas

Até os taxistas andam reclamando do baixo movimento em Gramado. Imagine então quem veio para a cidade conferir as atrações do Festival de Cinema. Quem passa as noites circundado o tapete vermelho atrás das estrelas teve muito trabalho. Não para furar o cerco e conseguir uma fotinho exclusiva. Mas passou trabalho para encontrar as tais estrelas sempre prometidas por Gramado.

Se não fosse Walmor Chagas e Ingra Liberato, do elenco de “Valsa para Bruno Stein”, filme em competição exibido na noite de domingo, a tietagem teria de se contentar apenas com os atores do segundo escalão da Globo. Mas hoje tem homenagem a Zezé Motta e aguarda-se a vinda de José Wilker e Marília Pêra.

Se fora do cinema as coisas andam como aquele caminhão cheio de melancias que se acomodam durante a viagem, dentro dele ainda é cedo para apontar se Gramado reencontrou a trilha perdida. Se depender dos primeiros filmes exibidos na noite de domingo o festival se mostra mais perdido do que certo de um rumo.

sábado, 11 de agosto de 2007

festival de cinema de gramado 2007 - só pra variar

a neblina cobre a cidade de gramado. só pra variar. sempre é assim. talvez seja só a primeira noite, mas acho que serão todas as noites assim. algo a ver com o conceito do tal encontro? Quem sabe...

terça-feira, 31 de julho de 2007

réquiem para um sonho

A morte de Michelangelo Antonioni é mais do que o fim de uma carreira. Antonioni era o último de um clã que surgiu para o mundo com suas investigações pelo neo-realismo italiano. Movimento estético surgido após o fim da Segunda Guerra Mundial por cineastas como Vittorio De Sica, Roberto Rossellini, Luchino Visconti, Federico Fellini e Pier Paolo Pasolini.

O mais notável desse período é que todos eles surgiram a partir do neo-realismo, mas cada um perseguiu seu estilo. Se Fellini transformava sonhos em filmes, Antonioni nos devolvia às angústias, medos e conflitos de encarar um mundo em veloz transformação. E sempre experimentando conceitos estéticos diferentes.

Não por acaso foi muito bem premiado Europa afora: A Noite (1961), recebeu o Urso de Ouro do Festival de Berlim (Alemanha); O Eclipse (1962), o Prêmio Especial do júri de Cannes (França); e O Dilema de uma Vida (1964), Leão de Ouro de Veneza (Itália) e Blow Up _ Depois Daquele Beijo (1966), Palma de Ouro em Cannes.

Com Antonioni se aprende que o amor dura mais do que a frivolidade de um beijo roubado; que à noite afloram sentimentos sinceros, nem sempre bem recebidos; que a memória é mais vigorosa do que a lucidez; e que a única certeza é divagar além das nuvens. E que assim seja.

Michelangelo Antonioni (1912 - 2007)


Ainda não sei o que dizer. É simples escrever não sei o que dizer. Mas ontem ainda (terça-feira) morreu o Antonioni. A família só informou hoje (quarta) à imprensa. No mesmo dia o cinema perde a investigação da alma por Bergman, e a inquietude de Antonioni.
Mais tarde eu volto.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Gritos e Sussuros



Meu Bergman favorito




Ingmar Bergman (1918 - 2007)


Ninguém que se arrisca a fazer filmes deveria comerçar sem antes devorar a obra de Ingmar Bergman. Sobretudo quem vê no cinema o trabalho de um autor, a reflexão humanista e a extensão da vida. E por ironia do destino é justamente por estes motivos que tanta gente se esquiva dos filmes de Bergman. Porque sem dó nem piedade ele expõe relações ora conflituosas, ora obsessivas e a incapacidade de lidarmos com a morte.
Querer escapar da identificação com suas histórias é driblar a inevitabilidade da finitude. Não é possível enganar a morte, nem mesmo depois de vencê-la em um jogo de xadrez. Bergman, entre tantas coisas, quer nos mostrar como a travessia por esssa vida depende da fragilidade das nossas escolhas. Lançados a toda sorte precisamos mover as peças com precisão antes que as más escolhas transformem-se em traumas irreparáveis.
Seja na vertigem de um grito ou na sutileza de um sussurro, Bergman coloca amados e traídos diantes do mesmo espelho. Não para desnudarmos as tragédias de cada um, mas para reconhecermos no outro o que negamos ser. Ou ainda como melhor explicou o cieasta francês Jean-Luc Godard: "Para Bergman estar só é se fazer perguntas; filmar é encontrar as respostas".

sexta-feira, 6 de julho de 2007

foto EFE


Woody Allen passa o tempo tocando jazz enquanto não volta a filmar com a a loirinha Scarlett Johansson. O novo endereço de Allen é no Café Vienês, do Hotel Casa Fuster, em Barcelona. Na próxima segunda, as filmagens do seu próximo longa iniciam, e quem sabe ele venha passar mais tempo com Scarlett do que com sua bandinha, a Eddy Davis New Orleans Jazz Band.

Sobre o filme: a produção será uma "una carta de amor a Barcelona", e vai girar em torno das férias de uma turista norte-americana (Scarlett Johansson) nesta cidade catalã e as relações que estabelece com alguns de seus habitantes, especialmente com um homem cujo papel será de Javier Bardem. O filme terá ainda Penelope Cruz no elenco.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

ainda cineesquemanovo

Filme de boteco

Grande parte da graça em assistir a um filme estranho com gente esquisita são os comentários na saída da sala de cinema. Depois da exibição de Conceição, autor bom é autor morto, último concorrente da competição de longas-metragens do CineEsquemaNovo, o mais comum era ouvir: "ah, um filme assim eu também faria". Ou ainda, "nossa, véio...nonsense demais". E pra mim o melhor comentário: "tá aí um novo gênero: filme de boteco".

Gostei: "filme de boteco". Porque na verdade, a enxurrada de tramas paralelas decorre de uma conversa banal de um grupo de amigos reunidos em um bar e bebendo a cerveja Conceição. Papo vem, papo vai e cada um à mesa cita como deveria ser o seu filme. Só o simples fato de serem lançadas idéias sem o mínimo pudor nos remete a velha frase do Glauber Rocha: "Uma idéia na cabeça e uma câmera na mão". Mas não é tão simplista assim. Nem era só isso o cinema do Glauber, nem só isso o filme de uma verdadeira ação entre amigos, que reúne os diretores Daniel Caetano, André Sampaio, Guilherme Sarmiento, Samantha Ribeiro e Cyntia Sims, na concepção de Conceição, autor bom é autor morto.

Também não é só um filme dentro de um outro filme. Aliás, são vários trechos do que viriam a ser filmes inteiros, se realizados em separado. Mas toda essa desconstrução narrativa, essa não-linearidade, essa quase esquizofrênica verborragia dos autores sentados à mesa e bebendo cerveja poderia ser só um emaranhado de situações desconexas. Mas não é. Tem ali o esmero de um roteiro que tece amarras consistentes entre tantas situações diferentes e personagens que a princípio pouco ou nada têm a ver um com o outro. Mas há uma pergunta corrente ao longo de todo o filme que une essas idéias, a princípio descabidas, e as dá sentido: "Se você fizesse um filme, como ele seria?".

É a responsabilidade pela obra dividida não só entre os amigos do boteco, mas, sobretudo, com o espectador. E já que o negócio era mesmo romper com a lógica de homogeneidade na narrativa, foram inseridas personagens da vida real, pessoas comuns que deram vazão à sua criatividade e disseram como seriam seus filmes. Essas cenas foram filmadas em preto e branco para contrastar de cara com a estética da parte ficcional de Conceição. Menos uma delas, a de uma banda de chorinho e samba que acaba sendo incorporada à trama.

Outro momento de subversão ocorre quando uma das autoras-atriz desliga a luz. Cinema sem luz é a morte do cinema. Não é. E de certa forma, logo de cara esse breu lembra o apagão de Velinhas, curta-metragem de Gustavo Spolidoro. Mas diferentemente de Velinhas, em que após o apagão os personagens acendem velas para iluminar o ambiente, em Conceição, a luminosidade vem de um cigarro de maconha. A cada nova tragada se acende uma luz em tom vermelho-alaranjado, que dá conta de não apenas sugerir o calor do cigarrinho em brasa, mas acaba iluminando o rosto dos personagens-autores.

O contraponto dessa discussão em torno da importância da imagem decorre em cenas plasticamente bem construídas, como nos tantos planos no cemitério, não só da perseguição ao fugitivo, mas também da personagem sem nome e reconhecível como mulher nua que é vista com um longo véu preto participando de um funeral. O fugitivo é um dos personagens centrais. Primeiro, porque é quem une, mesmo que de formas não-convencionais, as demais tramas. E segundo, porque ele se revolta contra o autor, que lhe atribui tão somente a sina de fugir. E não faz nada mesmo além de fugir. Porque na hora de dar cabo aos autores, entra em cena o homem da capa preta, interpretado pelo músico marginal Jards Macalé.

A essa diversidade poderia se classificar como a falta de estilo. Ou ainda, como o filme nos permite interpretar a partir do título: a morte do autor. Pode "morrer" a figura que assume a autoria de uma obra (e não é o caso de Conceição), mas sempre haverá um autor. Mesmo que essa atribuição seja dividida entre uma ação entre amigos como essa, ou ainda seja feita a partir de pesquisa pelo Ibope. São autores os responsáveis por dar sentido a um punhado de idéias. Em Conceição o sentido é deturpar a regra, mas sem com isso, perder-se na confusão dos desejos dos personagens (da vida real ou fictícia).


Filme da mostra de longas-metragens do CineEsquemaNovo. Escolhido como melhor filme pelo júri popular.

A falta que ama

O amor no filme O Nascimento do Amor, de Philippe Garrel, é a expressão da dor. Em nada lembra o cheiro da felicidade. Porque Garrel não fez um filme sobre o amor. Fez um filme sobre a falta que ama. Sobre o vazio. Sobre a solidão. Os personagens não só fingem que amam, mas também confundem o amor com a necessidade de amar.

O olhar da câmera conduz o espectador pela vida dos amigos Marcus (Jean-Pierre Léaud) e Paul (Lou Castel). Marcus é casado com Hélène (Dominique Reymond) e Fauchon (Marie-Paule Laval) com Paul. Há uma cena logo no início do filme que revela o tom da história. Marcus pergunta a esposa se ela o ama. Ela diz que sim, mas a expressão de Hélène não condiz com sua resposta. A revelação da mentira vem logo a seguir, quando ela se aproxima dele, e o beija na testa. Paul recebe tão somente um beijo fraterno, quando na verdade, queria um beijo que lhe queimasse os lábios.
Aparentemente, o filme não tem uma história, não cria uma rede de intrigas, não há suspeitos de um crime perfeito. Aparentemente parece ser mais um filme banal, sobre a busca banal por amor. Mas é justamente nessa aparente banalidade que Philippe Garrel nos toma pela mão e conduz filme adentro. Ao assistir o filme temos a sensação de estarmos conduzindo a câmera. Por isso os movimentos mais lentos, a hora e a vez de cada um dos personagens ter o seu close para dizer o que tem de ser dito, nem que seja em silêncio.
Porque o silêncio é tão importante nessa trama quanto os diálogos. Aliás, tão ou mais importante que a verborragia. Porque na grande parte do filme os personagens confundem-se nos próprios desejos. Por isso o tempo de cada plano não se encerra quando termina o que dizer. Porque sempre há mais a dizer, mesmo em silêncio. Mesmo quando o personagem sai da cena. E é nesses pontos que reforço, a câmera parece ser conduzida pelo espectador, porque queremos ver nascer esse amor, nem que seja por meio de um desencontro.
A trama centraliza-se em grande parte na solitude de Paul. Ele tem esposa, um filho e uma filha recém nascida. Mas Paul não se reconhece como um pai de família. Pior, não se reconhece no amor pela mulher, nem pelo filho. Segura no colo a menina recém nascida, mas nem isso lhe conforta. Os gritos de histeria não são porque a pobre menina demora três horas para cair no sono. Paul grita pela falta que ama. Grita pelo vazio. Grita porque a solidão dói.
Paul não ama a mulher, mas diz amar Ulrika (Johanna ter Steege), a amante. Só que esse sentimento voraz por Ulrika é só um despiste. Na verdade ele se entrega a esse amor bandido porque sabe que vai terminar logo. E termina, porque Ulrika não o ama. Num jantar na casa de amigos isso fica bem claro. Paul pega na mão de Ulrika por debaixo da mesa. Ela se entrega a esse toque sedicioso. No dia seguinte, ambos no carro, Paul repete o gesto. Mas Ulrika não quer esse carinho. Nos dois momentos são planos detalhes sutis que revelam que relação é essa entre Paul e Ulrika.
A sutileza é o grande encanto de O Nascimento do Amor. E é um filme tão bem costurado porque não são apenas os movimentos de câmera ou os planos demorados e fechados, como se quisessem entrar na mente dos personagens, que esmiúçam a trama. A música tem um papel fundamental. Esse piano ora doce, ora amargo, reflete esse desejo desesperado e inquieto pelo nascimento do amor. O piano revela a pulsação do coração. Notas duras e com muitas pausas, revelam a dor. Já as notas doces, a melodia envolvente, em um andamento mais acelerado, revelam a excitação.

Essa excitação Paul experimenta pela última vez na trama quando conhece uma jovem que diz ser sua fã. Logo se percebe que Paul vai aproveitar desse acaso para experimentar mais uma vez da porção do amor. Mas no caso de Paul, não é amor. E talvez nunca será. Porque Paul quer essa jovem na cama. Quer sexo. Sem compromisso, é claro. Porque Paul é sacana. Prefere seguir com seu jogo de sedução, ao invés de resolver a sua vida. Prefere as coxas quentes da menina, ao invés de enfrentar a responsabilidade de pai.
Paul tenta justificar essa irresponsabilidade contando a Marcus que o seu pai também saiu de casa quando ele ainda era pequeno. E esse é só mais um dos vazios. É só mais uma falta que ama. Porque a vida segue. E todas as irresoluções na vida de Paul e Marcus precisarão um dia ser resolvidas. Porque em algum momento, quando menos se esperar, alguém vai fitar teu olhar e perguntar: "Você me ama?". Pode ser assim, de um jeito aparentemente banal que o amor venha enfim a nascer. E talvez Paul não esteja preparado.
O Nascimento do Amor foi exibido na oficina de crítica cinematográfica, no CineEsquemaNovo - Festival de Cinema de Porto Alegre.